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Ruy Castro

Virundu engomado

RIO DE JANEIRO - Ao passar diante da TV, vi o treinador Felipão de pé, todo pimpão, mãos às costas, meio de lado, como que posando para um monumento. Atrás dele, em coluna por um, e também de banda, olhos postos na noite infinita, os jogadores do Palmeiras, alguns com a mão no coração, como no antigo jardim de infância. Um corte, e eis que surge o adversário, cujo nome e cores se perderam, tão circunspecto e empalado quanto.

Pela pompa, parecia um evento cívico, como a chegada dos pracinhas vindos da guerra, em 1945. Ou, pela cara amarrada dos participantes, uma solenidade da TFP (Tradição, Família e Propriedade). Seja como for, a única música possível ali seria a "Abertura 1812", de Tchaikovsky, com o ribombar dos 16 canhões e o bimbalho dos sinos do Kremlin.

Em vez disso, o que ouço? O hino nacional, por um tenor de smoking, de voz tão engomada quanto o peito da camisa. Teria eu mudado por engano para o "Casseta & Planeta"? Antes fosse, mas não era. O locutor do SporTV informou: tratava-se da execução compulsória do hino antes do dito jogo do Palmeiras pelo Campeonato Paulista.

É assim em todos os jogos do Paulistão, inclusive os dos cabeças de bagre. Antes da partida, os jogadores sofrem 20 minutos se aquecendo no vestiário, suando ao comando dos preparadores. Já na boca do túnel, abraçam-se numa corrente em que misturam orações e expletivos aos berros e se exortam a "chegar junto", "dar de bico" e "morder o adversário". E só então entram em campo, com o ritmo cardíaco a mil.

Mas, ao pisar a cancha, o que acontece? Têm de perfilar-se para o longo Virundu. O fogo corporal cai a morno, quase zera o coração, lá se vai a energia, e eles se arriscam, nos primeiros dez minutos, a distender um músculo ou romper um ligamento -em nome do patriotismo dos cartolas e dos políticos.

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