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Inverno egípcio

País árabe mais populoso vai às urnas para definir modelo de convivência entre islã e democracia ocidental, maior desafio do Oriente Médio

Já é comum dizer que a Primavera Árabe tornou-se inverno.

Na Líbia, o governo provisório ainda peleja para desarmar milícias que retêm arsenais da ofensiva apoiada pela Otan (aliança militar ocidental) que levou à derrubada do ditador Muammar Gaddafi.

Na Síria, a repressão, pela ditadura de Bashar Assad, de manifestações pró-democracia degenerou num início de guerra civil. A missão de observadores das Nações Unidas ainda não conseguiu fazer avançar o plano de transição política negociado por Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU.

No Bahrein, protestos liderados pela maioria xiita são reprimidos pela dinastia Al Khalifa, apoiada por outras monarquias conservadoras do golfo Pérsico. Como na Síria, aliada de Teerã, o pano de fundo ali é a disputa regional entre a Arábia Saudita sunita e o Irã xiita.

O cenário não chega a ser róseo na Tunísia e no Egito, onde o vagalhão de revoltas começou.

A ascensão de forças religiosas após a queda dos ditadores Zine el Abidine Ben Ali e Hosni Mubarak suscita atritos com setores laicos, o que não chega a surpreender. Facções como a Irmandade Muçulmana do Egito contam com ampla base social, derivada da religiosidade popular e de sua dedicação a serviços médicos e educacionais.

É nesses dois países que o ímpeto por democracia e melhores condições de vida dá os maiores sinais de vitalidade. Se a Tunísia tem a situação mais estabilizada, com um novo governo e uma nova Constituição, é o Egito que desempenhará o papel principal na definição do futuro da região.

Mais populoso país árabe, o Egito ocupa uma posição estratégica. Controla o canal de Suez, ligação entre o Mediterrâneo e o Índico, através do mar Vermelho. É um dos dois países árabes (o outro é a Jordânia) com relações diplomáticas plenas com Israel.

A eleição presidencial egípcia de quarta e quinta-feira desta semana será a primeira livre e competitiva no país desde a instauração da República por jovens militares nacionalistas, em 1953.

A votação ocorre sob situação econômica difícil. O crescimento do PIB caiu da casa de 5% para menos de 2% com a redução do turismo e dos investimentos estrangeiros. O aumento do deficit nas contas externas leva o país a negociar um empréstimo com o FMI.

São 12 candidatos, que se articulam em torno de dois eixos de disputa: entre laicos e religiosos, de um lado, e, de outro, entre uma nova ordem em construção e resquícios do velho regime, representado pelas Forças Armadas.

Decisivos para a deposição de Mubarak, os militares, que controlam diretamente 20% da economia, assumiram o comando da transição. Tentam manter o poder de veto sobre autoridades civis e a autonomia de seu próprio orçamento, que conta com a segunda maior ajuda militar dos EUA a outro país, de US$ 1,3 bilhão por ano.

As pesquisas são tidas como pouco confiáveis, mas têm mostrado um declínio na popularidade dos islamistas, que tiveram quase 80% dos votos nas eleições legislativas de 2011. Indicam também alto percentual de indecisos, de 30%. Um segundo turno, em meados de junho, é dado como certo.

Quatro candidatos são considerados favoritos: Amr Moussa, chanceler de Mubarak nos anos 1990 e ex-secretário-geral da Liga Árabe; Ahmed Shafiq, ex-comandante militar que foi premiê de Mubarak no início da revolta; Abdel Moneim Aboul Fotouh, dissidente da Irmandade Muçulmana e visto como liberal no campo islâmico; e Mohamad Mursi, candidato oficial do partido da Irmandade, o Liberdade e Justiça.

Setores liberais e de esquerda que lideraram o início dos protestos na praça Tahrir perderam seu candidato favorito quando Mohamed El Baradei, ex-diretor da agência atômica da ONU, desistiu de concorrer. Hoje, se dividem entre Moussa, Fotouh e o socialista Hamdin Sabahi.

Os militares prometem entregar o poder na posse do novo presidente, em julho. Mas a batalha pelo futuro do Egito não terminará aí. O caráter do Estado, o sistema de governo e as prerrogativas das Forças Armadas dependerão de uma nova Constituição.

A redação da Carta está parada desde que a Justiça suspendeu, em abril, a Comissão Constituinte de cem integrantes indicada pelo novo Parlamento, onde os islamistas detêm a maioria.

Até meados do ano passado, previa-se uma composição entre os militares e a Irmandade. Essa possibilidade hoje é dada como remota.

O Egito parece oscilar entre dois modelos inspirados na Turquia: o velho, em que militares detinham o poder e cerceavam a ascensão do islã na política, e o novo, em que o partido islâmico Desenvolvimento e Justiça, socialmente conservador e liberal na economia, conduz um regime democrático, ainda que acusado de minar o Estado secular.

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