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Juliana Garcia Belloque e Tecio Lins e Silva

A proposta de descriminalizar as drogas no novo Código Penal é um avanço?

SIM

Estigma criminal e liberdade individual

A comissão de juristas instituída pelo Senado para apresentar anteprojeto de reforma do vetusto Código Penal de 1940 aprovou a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio.

Em meio à polêmica sobre o assunto, queremos esclarecer as premissas que embasam essa tão corajosa quanto relevante postura para o avanço do Estado constitucional e democrático de Direito no Brasil.

Em primeiro lugar, cumpre desmitificar: descriminalizar não significa legalizar. A política não é da liberalização sem compromisso ou sem responsabilidade do Estado. A opinião pública é frequentemente levada a crer que uma conduta precisa ser criminosa para ser contrária à lei e proibida. A conclusão é equivocada e muitas vezes pauta de modo danoso o processo legislativo.

A sanção criminal é o mais gravoso, aflitivo e estigmatizante reforço às proibições, a ela devendo anteceder o enfrentamento das regras sociais de convivência pela via das punições administrativas.

Trata-se de deixar de enxergar o usuário de drogas como criminoso e de transportar a questão do consumo de drogas da delegacia de polícia para o plano da saúde pública, enfrentada pelo poder público através de políticas mais adequadas e não discriminatórias.

A lei vigente no país desde 2006 já afasta a pena de prisão para o usuário, prevendo apenas medidas restritivas de direitos, mais ainda o estigmatiza como delinquente.

É preciso dar o segundo e imprescindível passo, a luz do que vem sendo discutido em inúmeros países da Europa e da América Latina. O estigma criminal relega o consumo de drogas a um dado social oculto, marginal, o que dificulta sobremaneira o seu enfrentamento sob a ótica da saúde pública.

Punir o usuário eventual é desnecessário e hipócrita; punir o dependente é vitimá-lo pela segunda vez.

Para o tratamento mais eficiente e humano desta realidade social, é fundamental que o Estado ofereça a mão que auxilia, quando necessário, e não só a paulada da repressão.

Assim, não faz sentido sentar o usuário de drogas no indelével banco dos réus, até sob a perspectiva constitucional que elege a autonomia individual e o espaço de privacidade como valores democráticos.

Há tempos que o âmbito de liberdade individual não lesivo a terceiros deixou de ser espaço de atuação do direito penal. Não punimos, por exemplo, a tentativa de suicídio ou qualquer escolha de conduta privada ou social que não ofenda direitos daqueles que compartilham do cenário comunitário.

Assim, a comissão fez a opção consciente de criminalizar o induzimento ou instigação ao uso de drogas e o oferecimento a terceiros para consumo compartilhado, bem como, e aqui uma novidade, o uso ostensivo de drogas em local público próximo a escolas ou de concentração de crianças e adolescentes.

A direção é bastante clara: onde o comportamento individual ofende o espaço de terceiros, o direito penal ganha legitimidade para atuar; fora disso, as políticas públicas devem ser de outra natureza.

Pretendemos abrir as portas para que a sociedade brasileira possa discutir o uso destas substâncias, realidade tão antiga quanto presente, de maneira franca, aberta, multifacetada e sem preconceitos.

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