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Pesquisa e paranoia

São raros os políticos que fogem do figurino clássico em sua relação com pesquisas eleitorais. Acompanham-nas com interesse, citam-nas em triunfo quando nelas se veem bem colocados e repelem-nas quando não os favorecem.

Há mais, todavia, do que declarações em que ninguém acredita. Procuram, não raro, cercear a publicação de pesquisas, sob pretexto de que "influenciam o eleitorado".

Tais tentativas, que se repetem a despeito da evidente inconstitucionalidade, veem-se acrescentadas agora de uma inovação bizarra.

Projeto em curso na Câmara dos Deputados pretende tornar crime a divulgação de pesquisas que revelem discrepância com o resultado final das eleições. Caso essa diferença exceda a margem de erro prevista, estabelece-se a presunção de que houve algum tipo de fraude -a ser punida com prisão, de seis meses a um ano, e multa.

É patente o absurdo da iniciativa, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Para citar apenas um argumento contra a ideia, vale repetir o que disse Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, do mesmo grupo que publica este jornal: "Não há lei que obrigue o eleitor a não mudar de voto nos últimos dias".

É perfeitamente possível que, numa pesquisa realizada três dias antes da eleição, seja detectado um favoritismo que, por inúmeros fatores -a gafe histórica de um candidato, o excelente desempenho de outro num debate-, não se confirme no resultado final.

Pesquisas, repita-se o que diz a vasta maioria dos pleiteantes a algum cargo eletivo, são de fato o "retrato de um momento". A própria informação sobre a vitória iminente de um candidato pode ser decisiva para que se concentrem, num adversário específico, os votos antes dispersos entre vários rivais.

Influência? Sem dúvida, como a que é exercida por qualquer tipo de informação valorizada pelos eleitores. A proibição de uma pesquisa seria somente mais uma influência -só que no sentido oposto, de sonegar uma informação relevante para muitos.

De resto, a margem de erro, como deveria saber qualquer legislador minimamente informado sobre o tema, cobre apenas uma porcentagem (95% dos casos, em geral, o chamado nível de confiança) dos levantamentos possíveis na mesma data e com o mesmo rigor científico. Ou seja, existe a pequena probabilidade de que os resultados de uma pesquisa, referentes aos dias em que foram feitas, apresentem resultados fora da margem de erro.

Como em toda ciência, o raciocínio talvez seja complexo demais para quem se dá melhor no clima de caça às bruxas, típico das visões conspiratórias do mundo, e confia mais na ignorância, na censura e na repressão do que no direito de todo cidadão a se expressar e informar-se em plena liberdade.

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