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Paulo Modesto

Aposentados e... em greve

A paridade faz os aumentos para ativos serem levados aos inativos. Os aposentados, sem nada a perder, fazem de tudo então para radicalizar as greves

Paradoxo é uma afirmação que contraria uma intuição comum. Parece um paradoxo afirmar a participação em movimentos grevistas de servidores públicos inativos. Aposentados, por definição, são indivíduos afastados do serviço ativo.

No Brasil, porém, tal paradoxo efetivamente ocorre. Ele pode ser explicado e deve ser considerado um estímulo oculto à radicalização dos movimentos paredistas nos últimos anos. Ele tem de vir à luz.

A recente greve dos professores estaduais do ensino primário e médio na Bahia, de 115 dias, pode servir de exemplo. A imprensa acompanhou o movimento e colheu em várias assembleias a opinião de participantes. Muitos eram aposentados. Ninguém estranhou o fato.

Filiados ao sindicato geral, parecia natural a manifestação dos aposentados nas assembleias sindicais sobre as propostas do Executivo e sobre a continuidade do movimento paredista. Mas o grande interesse dos aposentados do serviço público pelas greves de servidores ativos não decorre de solidariedade classista. É explicada pelo "direito à paridade".

Direito à paridade é o direito reconhecido aos servidores aposentados em cargos públicos efetivos ao recebimento no provento de inatividade do mesmo aumento concedido aos servidores ativos titulares dos cargos que serviram de referência para a concessão da aposentadoria.

O direito à paridade vincula as remuneração dos servidores ativo e inativo de forma permanente. Não se trata de aplicar índices de correção da inflação. Aumentos acima da inflação, aumentos reais, são extensíveis a proventos de aposentadoria cobertos pelo direito à paridade, com limitadas exceções. Por isso, conquistas remuneratórias de movimentos grevistas repercutem economicamente em favor dos aposentados de forma imediata.

Essa garantia não encontra paralelo entre os trabalhadores da iniciativa privada e entre aposentados do serviço público vinculados ao regime geral de previdência social, gerido pelo INSS. Nesses casos, o valor dos proventos de aposentadoria é atualizado por lei, mas não guarda conexão direta com as conquistas dos trabalhadores em atividade.

Os servidores públicos ativos em greve, se titulares de cargo público, não fazem jus à retribuição durante o movimento grevista. Servidores em estágio probatório deixam de computar esse período no processo de aquisição do direito à estabilidade. Porém, os servidores aposentados em cargos públicos efetivos com direito à paridade nada perdem com movimentos paredistas prolongados. Votam sistematicamente nas assembleias pela radicalização dos movimentos de reivindicação. É legítimo que participem de todas as deliberações e integrem o mesmo sindicato?

Aposentados no regime próprio dos cargos públicos apenas podem retornar ao serviço efetivo do Estado por aprovação em novo concurso público. Não é paradoxal que deliberem sobre o retorno à atividade?

Sem riscos ou perdas com a ação paredista, possuem legitimidade para opinar sobre a continuidade de greves? Ao comparecem em grande número a assembleias sindicais, durante greve, podem formar maiorias e vincular os ativos?

São questões que deveriam ser consideradas em uma lei disciplinadora das greves no serviço público e que revelam bem as especificidades dos movimentos paredistas na intimidade do Estado. Trata-se de lei aguardada desde 1988, cuja falta amplia paradoxos pouco visíveis ao público, sem resposta adequada na disciplina do direito geral de greve.

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