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Mario Mesquita

Taxa de juros: e agora?

A questão é: quando o Copom voltará a subir os juros? Pela inflação alta e pelo desemprego baixo, logo. Pela política e pelo ambiente externo, nem tanto

A julgar pelos últimos sinais do Copom, o fim do ciclo de corte de juros será sacramentado na próxima reunião, de outubro, com no máximo um leve ajuste adicional na Selic.

A partir de então, as atenções dos investidores se voltarão para a eventual reversão da política monetária -afinal, depois de um ciclo de ajuste na taxa de juros, geralmente vem outro ciclo, na direção oposta.

De fato, desde a implantação do regime de metas, em 1999, em média o Copom começa a subir a taxa de juros cinco meses depois do último corte no ciclo anterior. Mais recentemente, porém, os hiatos foram mais longos, de sete e nove meses, respectivamente, antes dos ciclos de alta de juros de 2008 e 2010.

A questão que se coloca é saber se a transição à frente seguirá o padrão histórico, de módicos cinco meses (o que significa que a Selic voltaria a subir lá por março de 2013), ou o mais recente, que apontaria para altas na taxa básica em meados do ano que vem -ou até para um comportamento mais benigno, com a reversão adiada para o final de 2013 ou para o início do ano eleitoral de 2014.

Nesse sentido, vale comparar as condições atuais com aquelas vigentes no final do ciclo de flexibilização anterior, em julho de 2009.

Do lado da oferta, fica claro que as condições atuais são menos propícias a um longo período de pausa na taxa de juros nesse nível baixo.

Em 2009, a taxa de desemprego era de 8%. Atualmente, beira 5%. A economia opera com menos ociosidade, portanto. É possível perceber isso também pela utilização da capacidade da indústria, a despeito da performance fraca. Em junho de 2009, era de cerca de 80%. Hoje, 84% -com ajuste para fatores sazonais.

Do lado da demanda, o caso é mais complexo. Um importante vetor da recuperação de 2009 foi a retomada do crédito, em particular para pessoas físicas. Ele parece ter agora perspectiva de expansão mais limitada. As famílias estão mais endividadas.

Em resumo, a despeito do comportamento agressivo dos bancos públicos na concessão de empréstimos, visões mais otimistas sobre a evolução do crédito ao consumidor nos meses à frente não se sustentam.

A demanda por crédito está mais contida, grandes bancos privados seguem ressabiados com a inadimplência, bancos pequenos e médios têm menor capacidade de alavancagem e o ambiente regulatório está mais restritivo. Ou seja, o demanda impulsionada pelo crédito não deve crescer tanto quanto em 2009 e 2010.

A contribuição do setor externo é outro fator de incerteza.

As perspectivas para os trimestres à frente são de crescimento moderado, com riscos negativos não desprezíveis. O ambiente externo não deve se tornar francamente inflacionário.

Ainda quanto ao setor externo, porém, é importante citar que o mecanismo de compensação entre o preço das matérias-primas e o real está no momento suspenso.

Isso porque o governo parece querer estabilizar a taxa de câmbio no patamar atual, algo que tende a impedir que o real se valorize quando os preços de matérias-primas (a maior parte de nossas exportações) entram em tendência de alta.

Evidentemente, a persistir tal situação, um eventual aumento no preço das commodities teria maior potencial inflacionário do que quando o câmbio flutua.

Ainda sobre a inflação, o ponto de partida atual parece desfavorável. Hoje, ela está em 5,2% e em alta. Em julho de 2009, estava precisamente na meta, 4,5%, em queda.

Há grande "vontade política" em manter a taxa de juros em patamares historicamente baixos. Para tanto, o governo parece crescentemente inclinado a lançar mão de instrumentos não tradicionais, como reduções de impostos e tarifas. Eles podem ser efetivos, mas há limites.

Reduções de tarifas de energia, ainda que bem-vindas, não devem ser recorrentes. Cortes no IPI, por sua vez, tendem a ser temporários e, a rigor, pró-cíclicos em seu impacto inflacionário direto -corta-se o IPI quando a atividade está enfraquecida e a inflação em queda, restauram-se as alíquotas na situação oposta. Isto é, o IPI "volta" junto com a inflação, estimulando-a.

Resta concluir que estender pelo menos até 2014 o período de juros historicamente baixos pode requerer uso mais intenso dos instrumentos macroprudenciais (que têm efeito forte sobre a atividade), maior tolerância com apreciação do real, com a inflação ou uma combinação desses elementos.

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