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Diego Bonomo

TENDÊNCIAS/DEBATES

Protecionismo brasileiro e americano

A relação vai bem, mas os EUA têm de seguir a decisão da OMC sobre o algodão. Já o Brasil tem de reduzir seu custo, em vez de criar regras de conteúdo local

Nas últimas semanas, o Representante Comercial dos EUA (USTR) e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) trocaram reprimendas sobre a adoção de medidas protecionistas. A despeito do tom acalorado, é preciso separar a retórica dos fatos e tirar lições desse episódio.

O primeiro fato óbvio é que tanto o Brasil quanto os EUA adotaram medidas protecionistas nos últimos cinco anos. As duas principais razões foram a crise econômica internacional e a concorrência da China. Do lado americano, o principal instrumento foi a concessão de subsídios. Já o Brasil fez uso de tarifas de importação, defesa comercial e requisitos de conteúdo local.

O segundo fato é que, em boa medida, os dois governos estão certos. O USTR está certo ao afirmar que as medidas brasileiras são protecionistas (embora algumas sejam legais), prejudicam parceiros comerciais do Brasil e podem gerar retaliação.

Do mesmo modo, MRE e Ministério da Fazenda acertam quando afirmam que a paralização da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) deveu-se à posição americana (e indiana) e que a política monetária americana (o quantitative easing) resulta em protecionismo, embora não seja o seu objetivo.

O terceiro fato é que, nos dois casos, a troca de reprimendas vai além da questão comercial.

Nos EUA, como tem apontado a imprensa, a retórica mais dura pode ter algum valor eleitoral. No Brasil, a disposição, frequência e agressividade com que o governo critica a política monetária americana vis-à-vis a política cambial chinesa -essa, sim, preocupante para o setor industrial brasileiro- deixa claro que a discussão também é instrumento de política externa.

Apesar do tom acalorado, o fato é que a relação comercial entre ambos vai bem. A corrente comercial bilateral de bens e serviços já atingiu recorde de mais de US$ 100 bilhões em 2011. Além disso, há mais comércio de propriedade intelectual entre Brasil e EUA do que entre americanos e chineses ou indianos.

Das três economias emergentes, o Brasil é a que mais envia visitantes aos EUA, ao passo que os americanos são os maiores beneficiários de vistos de trabalho concedidos pelo país -prova da atividade crescente de empresas americanas aqui.

Em matéria de investimento, dos três emergentes, os brasileiros são os maiores investidores no mercado americano. Já o estoque de capital dos EUA no Brasil atingiu US$ 70 bilhões em 2011, superior ao estoque americano na China e na Índia.

Por fim, vale lembrar que, desde o início da crise econômica internacional, os EUA se envolveram, na OMC, em dezesseis disputas contra a China e em outras duas contra a Índia. Nesse mesmo período, houve apenas uma disputa entre americanos e brasileiros, já resolvida.

A lição a tirar desse episódio é simples: os dois governos poderiam gastar menos tempo com reprimendas retóricas e mais esforços em fazer avançar temas nos quais os setores empresariais dos dois países têm interesse, como a eliminação recíproca dos requisitos de vistos de turismo e negócios e a aprovação de acordos para facilitar a concessão de patentes e evitar a dupla tributação.

No campo da política comercial, os EUA têm que fazer sua lição de casa, cumprindo as decisões da OMC no caso do algodão. Já o Brasil deveria substituir barreiras comerciais, inclusive exigências de conteúdo local, por mais ações em relação ao que realmente interessa à competitividade de seu setor industrial: a redução do "custo Brasil".

DIEGO BONOMO, 31, é diretor para políticas públicas da seção americana do Conselho Empresarial Brasil-Estados Unidos (CEBEU), ligada à U.S. Chamber of Commerce, em Washington

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