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Eduardo Muylaert

Não atirem no humorista

A crítica é que poderá servir de parâmetro para a nossa nova geração de humoristas, que, às vezes, exageram ao brincar com fatos históricos

O humor é livre no Brasil. Sua dignidade constitucional foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como parte da liberdade de expressão e de criação artística.
O direito ao sarcasmo foi garantido na chamada "Adin do Humor", relatada pelo ministro Ayres Britto. A superada Lei de Imprensa já não tinha mais eficácia. A liminar de 2010 veio suspender regra da lei eleitoral que cerceava pilhérias envolvendo candidatos.
"Nós vamos liberar o humor", diz o ministro Ricardo Lewandowski. "Mas vedar o humor? Isso é uma piada", lança o ministro Peluso.
O presidente do STF já julgara, no Tribunal de Justiça paulista, que não se pode reprimir aos humoristas profissionais e à imprensa, ainda quando demasiadas na forma e cáusticas no conteúdo, as expressões artísticas sob as quais exercitam o direito da crítica.
Decorre da liberdade constitucional do humor que eventual excesso é preferível a qualquer censura ou repressão, pois é próprio do humor o exagero, a hipérbole. E o simples fato de alguém eventualmente se sentir ferido não pode restringir a atividade, dada a índole subjetiva das reações individuais.
Muitos objetam com os possíveis excessos, mas a jurisprudência se inclina claramente pela liberdade. Para o STJ, não cabe aos tribunais dizer se o humor praticado é popular ou inteligente, de bom ou de mau gosto, classificação considerada discriminatória e odiosa no voto da ministra Nancy Andrighi. Só a crítica pode avaliar o humor, reconhecido como atividade artística.
As pilhérias envolvendo políticos, policiais, jogadores de futebol, atrizes, entre outros tantos, revelam que o tempo da censura está ultrapassado. Até mesmo a figura do presidente da República tem sido objeto de humor.
A liberdade de expressão incomoda, e sempre houve tentativas de cercear sua atividade.
Quem não se lembra da perseguição aos que ironizavam a ditadura? E das ameaças aos que brincaram com o profeta ou com a religião?
Todas as vezes em que a sociedade optou pela repressão, escreveu páginas trágicas. Nova York pediu tardiamente desculpas pela prisão de Lenny Bruce, comediante cujo humor não tinha sequer a ousadia da comédia das noites de sábado.
A liberdade é essencial ao humor. É próprio do humor o contrassenso, o absurdo, o contrário de tudo que é tido como normal. Parte da graça de um comediante, ensina um manual, é que pode dizer coisas que uma pessoa normal não pode ou não quer dizer.
A crítica, a discussão na imprensa e a opinião pública é que poderão servir de parâmetro para essa nova geração de humoristas, que, às vezes, exageram ao brincar com fatos históricos ou valores sobre os quais não pararam para refletir.
A questão da liberdade do humor é séria. Não se pode levar a sério o que é mero humor, produzido num contexto de humor, com a intenção apenas de fazer rir. Essa liberdade a Constituição assegura e nossos tribunais garantem.

EDUARDO MUYLAERT é advogado criminal. Foi secretário da Justiça e da Segurança Pública de São Paulo (governo Franco Montoro), presidiu o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e foi juiz efetivo do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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