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São Paulo, quinta-feira, 01 de janeiro de 2004

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OTAVIO FRIAS FILHO

Em obras

A prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, vai construir dois túneis sob a avenida Faria Lima. Para quem não mora na cidade, basta dizer que isso deverá atravancar por quase um ano todo o trânsito da região sudoeste, uma das mais ricas e onde se concentra boa parte da classe média tradicional. Mas as repercussões vão além desse âmbito paroquial.
Até aqui, a furiosa campanha da prefeita para se reeleger vinha embalada em celofane social. Ela construiu seus Ceus, grandes escolões na periferia da metrópole, numa operação já clássica na administração pública brasileira, inaugurada por Leonel Brizola com seus Cieps e imitada por Collor com seus Ciacs. A idéia é essencialmente a mesma.
Ninguém pode ser contra a construção de escolas nas regiões pobres, mas se trata, como sempre em administração pública, de verificar se o uso dos recursos é o mais inteligente e racional, o que quase nunca é matéria exata. A prefeita tem razão ao dizer que os Ceus instalam centros contra a barbárie nas áreas mais carentes.
A crítica que faz sentido é a de que os escolões funcionam como vitrine para marketing eleitoral: são unidades caras e forçosamente poucas, a deslocar recursos que poderiam ser utilizados na melhoria intrínseca da rede escolar existente, não fosse o fato de que esse tipo de melhora tem efeitos eleitorais homeopáticos e não aparece na mídia.
De toda forma, a ênfase era na área social o programa de distribuição de material escolar, por exemplo, que beneficiou de forma capilar a população mais pobre. Quanto aos transportes e ao lixo, ainda não está claro se a Prefeitura moralizou esses serviços onde vinha ocorrendo todo tipo de abuso criminoso ou apenas renovou os cartéis.
As obras sob a Faria Lima ("cartão postal" nessa cidade tão pouco paisagística) não são prioritárias, nem mesmo necessárias. Até pelo efeito publicitário que almejam - transtornos temporários de trânsito à parte -, elas aproximam a atual gestão da característica mais notória da fase final do malufismo: obras viárias em véspera de eleição.
A eleição de Marta Suplicy mulher, inteligente, esclarecida despertou expectativas de um padrão diferente de política. Aos poucos, porém, essas expectativas se esvaziaram, conforme a prefeita passava a antecipar, desde a sua campanha eleitoral "cor-de-rosa", a conversão ampla e geral do PT aos moldes convencionais da política.
Até mesmo no plano pessoal, que se realça nela pela própria origem profissional, a afirmação pública da independência como mulher se perdeu num estrelato frívolo de revista "Caras". Mas o "povo gosta", é preciso "ter projeto", eleger um dia, no caso, a primeira presidenta do Brasil. A própria realização do sonho é o que o dissipa.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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