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São Paulo, quinta-feira, 01 de janeiro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Brasil, bem-vindo!

UWE KURT KAESTNER e JEAN DE GLINIASTY


Várias questões delicadas estão na ordem do dia do Conselho de Segurança, algumas já há muito tempo

O Brasil está ingressando hoje no Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde terá assento por dois anos. A Alemanha, membro não-permanente do conselho, eleito para o biênio 2003-2004, e a França, membro permanente, ficam felizes com a presença do Brasil e com a possibilidade de trabalharem juntos nesse foro.
O ingresso do Brasil no conselho, pela nona vez desde a assinatura da Carta das Nações Unidas, em São Francisco, no dia 26 de junho de 1945, demonstra a eficácia de sua diplomacia e sua influência a serviço da paz no mundo.
Isso é ainda mais significativo na medida em que os últimos meses confirmaram, com intensa força, o lugar que o Brasil vem assumindo no cenário internacional desde a volta da democracia e do Estado de Direito. As viagens do presidente Lula da Silva a Berlim e depois a Paris, suas turnês pela África e Oriente Médio, sua notável participação na reunião do diálogo ampliado na cúpula do G8 em Evian, em junho, e na Assembléia Geral, em setembro, o papel do Brasil no lançamento do G20, como porta-voz de uma parte dos países emergentes nas negociações comerciais etc. são demonstrações positivas da ação internacional do Brasil, cujas iniciativas contribuem favoravelmente para a estabilidade de nosso mundo.
Várias questões delicadas estão na ordem do dia do Conselho de Segurança, algumas já há muito tempo, e deverão ser de maior atualidade nos próximos meses. Nossos três países, que mantêm relações amigáveis e de confiança, têm em comum o fato de compartilharem certos valores essenciais. Durante os últimos meses, nós defendemos sem cessar e agimos no sentido de reforçar o multilateralismo no qual a ONU continua desempenhando um papel central. Estamos convencidos de que saberemos dialogar e trabalhar juntos para apresentar propostas construtivas e contribuir com a "manutenção da paz e da segurança internacional", função primeira do Conselho de Segurança.
Em primeiro lugar, nossos pensamentos estão voltados para:
a construção de um Iraque unido, democrático e soberano, em paz com ele mesmo e com seus vizinhos. A esse respeito, a criação de um tribunal especial iraquiano por crimes contra a humanidade parece-nos ser uma necessidade, uma resposta a um imperativo de justiça para as vítimas iraquianas e não-iraquianas da ditadura de Saddam Hussein, pela qual a população pagou um pesado tributo. Trata-se igualmente de uma exigência com relação à comunidade internacional, que fez da luta contra a impunidade uma de suas prioridades, como demonstram a criação do Tribunal Penal Internacional e o estabelecimento de tribunais especiais em Serra Leoa, Ruanda ou, brevemente, no Camboja;
progressos na solução do conflito no Oriente Médio -o Roteiro do Quarteto, ratificado pela resolução 1.515 do Conselho de Segurança, única alternativa política crível para o círculo vicioso de violência e contraviolência que há muito sacode essa região, deve ser apoiado sem restrição, assim como encorajadas as iniciativas que contribuam para desbloquear a situação;
a África, onde a ONU tem vários dossiês essenciais em curso, alguns deles também dolorosos (por exemplo, na África Ocidental, na região dos Grandes Lagos, no Chifre da África), que exigem de nós um acompanhamento e um constante envolvimento a serviço da paz e da resolução pacífica dos conflitos. Mas consideramos também a Nepad (Nova Parceria para o Desenvolvimento da África) um símbolo de renovação, que vê os africanos assumirem seu destino e recobrarem a esperança de um desenvolvimento controlado e sustentável. Para obter êxito, é imprescindível o apoio da comunidade internacional, conforme declarado pelo G8 em Kananaskis e em Evian;
a manutenção do apoio internacional para a estabilização e a volta da democracia no Afeganistão, por meio da adoção de uma Constituição e do lançamento do processo eleitoral nesse país, bem como de uma indispensável reconstrução;
o prosseguimento resoluto de nossa ação contra o terrorismo e suas fontes de financiamento, sejam elas quais forem e venham de onde vierem;
a luta, sem trégua, contra a proliferação nuclear e as armas de destruição em massa;
e, evidentemente, a questão da reforma da ONU, particularmente a de uma melhor representatividade do Conselho de Segurança.
A França declarou publicamente, em várias ocasiões, especialmente pela voz do presidente da República, Jacques Chirac, e do ministro das Relações Exteriores, Dominique de Villepin, apoiar uma ampliação desse órgão e pronunciou-se a favor da entrada da Alemanha e do Brasil como membros permanentes. A Alemanha e o Brasil se manifestaram favoráveis a uma reforma do Conselho de Segurança, com a criação de novos membros permanentes e não-permanentes, e declararam apoiar-se reciprocamente para membro permanente do conselho. Nossos três países são, portanto, a favor de uma ampliação do conselho, levando em consideração as evoluções do mundo nos últimos 50 anos e objetivando aumentar a sua representatividade para assentar ainda mais a sua legitimidade de ação e de tomada de decisão, de acordo com nossa visão de um mundo multipolar.
Os próximos meses nos proporcionarão numerosas oportunidades para demonstrar, cada um com suas convicções e sensibilidades que lhe são próprias, o quanto somos capazes de trabalhar juntos pela paz, por um mundo melhor e por mais justiça.


Uwe Kurt Kaestner, 64, é o embaixador da República Federal da Alemanha no Brasil. Jean de Gliniasty, 55, é o embaixador da República Francesa no Brasil.


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