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TENDÊNCIAS/DEBATES
A adoção de um modelo nacional de TV digital poderia criar reserva de mercado?
SIM
Um diálogo para evitar equívocos
MARCELO ZUFFO
O Brasil nos próximos meses será
um dos últimos grandes mercados
a enfrentar a questão da digitalização de
seu sistema nacional de televisão. Hoje,
praticamente não percebemos o legado
da implantação da TV analógica, mas o
país se destaca no mundo pelos vários
aspectos positivos do sucesso dessa implantação. Daí o interesse sobre as nossas decisões ligadas à TV digital.
A televisão aberta no Brasil é um verdadeiro instrumento de coesão nacional e a única rede de telecomunicações
com cobertura nacional gratuita para o
consumidor -98 entre cada 100 brasileiros têm acesso a TV. Os serviços são
prestados com razoável nível de competitividade entre as emissoras, empregando centenas de milhares de pessoas.
Os televisores populares no Brasil possuem índice de nacionalização superior
a 80%. Fabricamos ao ano 10 milhões de
TVs, consumidas pela pirâmide social e
exportadas.
O estabelecimento de um modelo brasileiro de TV digital é relevante para três
setores fundamentais: o consumidor final, as concessionárias de TV e a indústria nacional.
Para o consumidor final, a digitalização propiciará o estabelecimento da
maior rede de faixa larga digital popular
e gratuita, com capacidade de recepção
de informação multimídia praticamente comparável à internet 2, até mil vezes
mais rápido do que qualquer modem
hoje utilizado.
Assim, além de sua qualidade superior intrínseca (remoção de fantasma,
maior resolução e alcance), a TV digital
abre um panorama inédito de inclusão
digital e aplicações domésticas que extrapola os usos da TV analógica, voltada
ao entretenimento e à informação.
A convergência com outros meios de
comunicação, como a telefonia fixa por
exemplo, propiciará uma vasta gama de
aplicações interativas avançadas, relacionadas a saúde, educação, governo
eletrônico, serviços bancários, entretenimento interativo e internet em geral.
Aí talvez resida uma grande oportunidade para o novo governo: a inclusão
social por meio da inclusão digital.
Nenhum dos sistemas existentes de
TV digital contempla a oferta desses
serviços por meio de uma unidade de
acesso aos serviços multimídia (que é
acoplado à TV) no patamar de custo
exigido pela nossa sociedade, ou seja,
terminais com custo inferior a um terço
do custo de um televisor popular ou
aproximadamente R$ 100.
Às concessionárias de TV, a maioria
com estúdios já preparados para a digitalização, cabe a maior parcela do ônus
de investimento. São elas as responsáveis pela implantação da infra-estrutura
digital. O modelo de negócios atual,
também deve ser reavaliado e aprimorado, sob a perspectiva da qualidade e
dos serviços interativos.
Para a indústria brasileira, a TV digital
é a oportunidade de criar uma plataforma de exportação de uma base já estabelecida. Entretanto, vale enfatizar o
baixo valor intelectual agregado aos
nossos produtos e a necessidade da negociação para o estabelecimento de indústria de componentes semicondutores, o que reduziria o déficit de importação e o custo final do produto.
Os eventuais padrões desenvolvidos
no Brasil só devem ser adotados após
uma comparação exaustiva com os demais existentes. Essa avaliação criteriosa tornaria o nosso esforço em mais
uma alternativa para outros países do
mundo que ainda não definiram seus
padrões. Cabe salientar que o Brasil foi
o primeiro país do mundo a testar comparativamente os três padrões já existentes, tornando-se uma referência na
área.
Como em qualquer processo de padronização mundial, a diversidade, a
discussão e a análise transparentes devem ser contempladas. Os padrões não
podem ser rígidos e fechados. Devem
prever cenários de longo prazo fundamentados num intenso diálogo entre as
partes interessadas. É importante reconhecer que o ciclo total de implantação
da TV digital será longo (estimado entre
oito e 20 anos), e a definição de padrões,
políticas e modelos podem acelerar ou
atrasar o cronograma de implantação.
A condução inadequada, sectária ou
precipitada da escolha do modelo pode
resultar em duas situações: ele pode não
ser adotado como o padrão de fato pela
sociedade, gerando enorme atraso da
adoção da tecnologia, com implicações
negativas para todos, em baixa qualidade dos serviços e custos; ou o estabelecimento de uma reserva de mercado implícita, no pior sentido do conceito, onde regras nocivas à competitividade e ao
avanço tecnológico seriam naturalmente estabelecidas, incentivando o contrabando predatório à nossa indústria e
desestimulando a elaboração de soluções próprias, relevantes para a nossa
sociedade e para o mundo.
Marcelo Knörich Zuffo, 36, é professor da Escola Politécnica da USP. Doutor em engenharia elétrica pela USP, onde coordena o Grupo de Computação Visual e Meios Eletrônicos Interativos
no Laboratório de Sistemas Integráveis.
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