São Paulo, quinta-feira, 01 de fevereiro de 2007

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MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO

Populismo: direita ou esquerda?

A REFLEXÃO sobre o populismo na Europa afiou-se com a ascensão dos partidos de direita, sem golpes de força e com notável desempenho eleitoral. As causas desse fenômeno são colhidas, pelos que o estudam, na fictícia negação dos confrontos políticos, correlata ao consenso "para além da direita e da esquerda". Essa "Terceira Via" tentou conciliar eficiência econômica com igualdade e justiça social, minorando as seqüelas do setor financeiro hegemônico e da "estabilidade com crescimento sustentável". O desfecho foram retração econômica, desemprego, queda na renda, peso de impostos, "flexibilização" das relações de trabalho, insegurança pessoal e pública, propiciando o declínio democrático e o controle político da ansiedade e das frustrações.
O discurso despolitizado e a fantasia da pacificação social dissolvem as lutas reais e retiram da esfera pública as decisões de alcance coletivo. O slogan é "governabilidade e coalizão partidária", sacralizando o consenso na "política sem adversários" (De Voos). O campo conflituoso entranha-se na massa de insatisfações e carências, fonte do populismo de direita. "Quando a política democrática se limita a assegurar o bom funcionamento do mercado, estão reunidas as condições para que demagogos talentosos exprimam as frustrações populares" (C. Mouffe). Surge, aí, o fantasma do "inimigo interno" (C. Schmitt).
O mesmo feixe econômico, sociopolítico e doutrinário desdobra-se no Brasil. Lula quer governar "sem oposição", a esquerda é doença juvenil, o centro é equilibrado. Todos "amadureceram": figuras do regime militar aliam-se a seus opositores, hoje no poder. Para atenuar a rude dominação, Lula expandiu as "solidariedades" de FHC. Dilatadas, surtiram votos, unindo-se à projeção, no líder, "das camadas C e D", cujo ressentimento açulou-se "mexendo na auto-estima das pessoas". J. Santana lança temas "de imensa comoção política" -a mística nacionalista-, "utilizados do ponto de vista tático", visando "o brasileiro comum", a classe média que decidiu o 2º turno.
Esse nacionalismo foi temperado pelo preconceito às avessas, pela exploração das fronteiras culturais, iluminando o migrante desvalido. Note-se que a direita européia camufla o racismo acentuando as diferenças culturais e os óbices à integração social. A categoria política "povo" é forjada contra "o outro", encarnação do mal. O oprimido é vítima das "elites", o demagogo é voz do pequeno ("kleiner Mann", Haider, Áustria), tal como Lula comemorou, em sua fala inaugural, a vitória do "andar de baixo".
O populismo moderno, "globalizado", mobiliza ideários análogos, complexo cujo peso negativo é agravado por nossa condição "colonial".


sylvia.franco@uol.com.br

MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO
escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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