São Paulo, terça-feira, 01 de março de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A privatização da Eletropaulo e o BNDES

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

As declarações do presidente Lula sobre indícios de corrupção no processo de privatização nos anos FHC trouxeram esse assunto de novo à mídia. Apesar das declarações posteriores do tal "companheiro denunciante", desmentindo o que o presidente da República havia declarado publicamente, o assunto ganhou vida própria.
Os brasileiros foram informados de que uma empresa multinacional recebera um financiamento do BNDES para adquirir, em leilão público de privatização, a maior empresa de distribuição de energia elétrica da América Latina. Posteriormente, sem condições de honrar seus compromissos, a empresa quase teria levado a instituição financeira à falência, pois o financiamento foi realizado sem garantais reais.


A operação de financiamento do BNDES à Eletropaulo foi objeto de detalhada auditoria, realizada pelo TCU


Como presidente do BNDES na ocasião da aprovação desse empréstimo, minha obrigação com a opinião pública é esclarecer esses fatos.
Em abril de 1998, o governo de São Paulo realizou a privatização da Eletropaulo. Os objetivos do governador Mário Covas eram dois: tirar da responsabilidade do Estado os pesados investimentos necessários para manter a qualidade dos serviços da empresa; e arrecadar quase US$ 2 bilhões para amortizar a dívida onerosa do Estado para com o governo federal. Esse pagamento permitiria também que o Tesouro federal resgatasse parte importante da dívida mobiliária no mercado financeiro.
Definida por governos legitimamente eleitos como prioritária, a venda do controle acionário da Eletropaulo precisava do apoio do BNDES para que os recursos fossem recebidos à vista. Isso já havia sido realizado em 1997, na privatização da CPFL, empresa de distribuição de eletricidade controlada pelo Estado de São Paulo. O resultado desse apoio do BNDES foi a realização de um preço de venda R$ 1,7 bilhão superior ao preço mínimo fixado no leilão.
O financiamento ao comprador da Eletropaulo, como no caso da privatização da CPFL e de outras empresas federais, foi feito segundo uma modalidade de crédito chamada "non recourse financing", fartamente utilizada pelo Banco Mundial e outras instituições internacionais. Mais informações sobre esse tipo de operação podem ser encontradas no site Google, ao se pesquisar a expressão "non recourse financing".
As principais características da operação financeira da Eletropaulo foram as seguintes:
Valor: no máximo igual a 50% do valor do lance mínimo fixado para o leilão (R$ 2.026.732.000).
Garantias: o penhor da totalidade das ações leiloadas. O valor das garantias representava, portanto, 200% do valor do empréstimo.
Juros: para as empresas brasileiras o crédito seria aberto em reais com os juros vinculados à TJLP; para as estrangeiras, o empréstimo seria em uma cesta de moedas estrangeiras.
Comissão do BNDES: como os riscos associados a uma operação "non recourse financing" são maiores, o BNDES fixou em 5% ao ano a sua comissão.
Prazo da operação: cinco anos.
Aqui já vemos que a acusação, de que "a operação foi realizada sem garantias adequadas", não se sustenta. Se houvesse inadimplência do financiado, o BNDES assumiria o controle da Eletropaulo, pagando menos da metade do valor recebido pelo governo de São Paulo. Nesse caso, o comprador teria um prejuízo superior à metade do valor pago pela companhia.
Outro fato importante é que, antes que houvesse interrupção dos pagamentos em abril de 2002, o devedor já havia pagado uma quantia equivalente a mais de US$ 430 milhões. O saldo devedor da operação era, naquela data, de US$ 454.752.536. Se descontarmos os pagamentos efetuados por conta da comissão de 5% ao ano recebidos pelo BNDES, o saldo financeiro do contrato era, em abril de 2002, de US$ 290.297.709, garantidos pelas mesmas ações que tinham sido compradas por quase US$ 1,8 bilhão.
Temos um dado que afasta, de forma definitiva, as insinuações de corrupção. A compra das ações de controle da Eletropaulo foi realizada pelo preço de quase US$ 1,8 bilhão, e hoje, considerado o preço das ações sem direito a voto da empresa negociadas na Bovespa e o ágio de controle pago no leilão, seu valor de mercado seria algo próximo a US$ 500 milhões. Se somarmos ao valor pago no leilão de privatização os custos financeiros já pagos ao BNDES, o comprador incorreu em uma perda patrimonial de mais de US$ 1,7 bilhão.
Já o Tesouro paulista, se não houvesse realizado a venda, teria incorrido em uma perda patrimonial de US$ 1,3 bi. O Tesouro Nacional, caso não tivesse recebido o dinheiro proveniente da venda da Eletropaulo, em abril de 1998, teria perdido quase R$ 5 bilhões a mais, em juros da dívida interna.
Finalmente, gostaria de informar à opinião pública que a operação de financiamento do BNDES à Eletropaulo foi objeto de detalhada auditoria, realizada pelo TCU a partir das primeiras insinuações ou denúncias do sr. Carlos Lessa, em 2003. Existem hoje duas observações feitas por seus técnicos, relativas à forma como foi conduzida a operação, que são objeto de contestação por parte dos diretores da instituição à época de sua aprovação.
Estes são fatos e estão sendo usados na defesa dos diretores do BNDES, na auditoria do TCU.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 62, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).


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