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ANTONIO DELFIM NETTO
A doença está aqui
Uma confirmação do velho ditado de que "não há nada de novo sob o Sol" é a volta da discussão sobre a "doença holandesa" em vista da
sesquipedal (perdão pelo palavrão,
mas não há outra forma de qualificá-la!) valorização do real promovida pela conjunção de alguns fatos mais fortuitos do que "estruturais".
Muito antes de ser holandesa, essa
doença atacou a indústria nascente
brasileira até praticamente meados
dos anos 60. No início dos anos 50, as
exportações de café representavam
dois terços das exportações totais do
Brasil. Dada a inelasticidade da demanda mundial do produto à defasagem de resposta da oferta (naquele
tempo, em torno de quatro anos), a
receita em divisas da exportação de
café variava violentamente e, com ela,
a taxa de câmbio (quando havia liberdade cambial).
O fenômeno era curioso: 1) uma
quebra da safra cafeeira por um acidente climático aumentava de forma
dramática os preços externos do café
(devido à inelasticidade da demanda);
2) isso aumentava a oferta de divisas e
valorizava a taxa cambial; 3) essa valorização abortava todas as iniciativas
de exportações nascentes que, com a
taxa de câmbio de "equilíbrio", seriam
competitivas, isto é, tinham "vantagem comparativa". O problema sério
durou quase um século. O grande economista brasileiro dr. Eugênio Gudin
inventou o aforisma "Café é câmbio!"
para descrevê-lo.
Essa dependência continuou até
meados dos anos 60, quando o governo decidiu estimular fortemente as exportações de outros produtos introduzindo um sistema cambial chamado "crawling-peg" (o "câmbio flexível", agosto de 1967), em que a taxa de
câmbio era corrigida em tempo curto
(aleatório) pela diferença entre a taxa
interna e externa de inflação. Em 1973,
as exportações de café já não chegavam a 20% do total. A doença tinha sido erradicada.
A "doença" (sem o nome) está descrita na tese que defendi em 1959 (Delfim Netto, A. "O Problema do Café no
Brasil", FEA/USP, pág. 328): "O custo
social da defesa do café foi muito superior do que geralmente se pensa,
pois manteve no mercado produtores
menos eficientes e gerou condições
muito desfavoráveis ao desenvolvimento industrial. Posteriormente, a
disparidade criada entre as taxas cambiais de exportação e importação impediram um uso eficiente dos fatores
de produção..."
A "super" valorização aborta a produção e a exportação de pequenas e
médias empresas, em que se concentram boa parte da inventividade dos
empresários. São os setores mais inovadores nascentes, que não conseguem se firmar porque não têm capital para sustentar prejuízos continuados e cuja perspectiva de eliminação é
completamente aleatória.
Ainda agora, há muitas empresas
eficientes e altamente inovadoras que
exportam menos do que 20 milhões
de dólares por ano com patentes originais registradas no exterior, com
"vantagem comparativa" absolutamente comprovada (quando o câmbio está perto do equilíbrio, com taxas
de juros reais internas parecidas com
as externas, mais o "risco"), que estão
exportando para não perder o capital
que "afundaram" na exportação.
Não devíamos esquecer que, com
um superávit comercial de 30 bilhões,
já eliminaríamos o superávit em conta
corrente, de forma que o risco da "super" valorização é maior do que se
pensa.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br
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