São Paulo, terça-feira, 01 de abril de 2008

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Inflexão nas finanças

Ameaçado pela crise, governo Bush muda tendência histórica ao interromper décadas de desregulação financeira

DESDE 1980, o governo norte-americano, forçado pelas inovações e pela internacionalização das finanças, vinha modificando o arcabouço institucional do seu sistema financeiro, articulado na Grande Depressão da década de 1930.
A desregulamentação e a liberalização davam a tônica. Bancos comerciais foram autorizados a exercer atividades típicas de bancos de investimento, tais como administração de ativos e operação no mercado de seguros, mediante a formação de holdings financeiras. Assim, os bancos comerciais voltaram a operar como "supermercados financeiros", como nos anos 1920.
Por outro lado, os Estados Unidos mantiveram uma multiplicidade de instituições encarregadas de supervisionar e controlar o sistema bancário e financeiro. Exatamente como antes da segmentação dos mercados promovida pelo presidente Franklin Delano Roosevelt, o sistema financeiro americano, no calor da concorrência, violou seguidamente as normas de conduta em períodos de euforia.
Um modelo desregulamentado, cheio de choques entre as instâncias burocráticas de supervisão, propiciou a explosão das hipotecas de alto risco e seus múltiplos instrumentos financeiros. A crise escancarou a péssima avaliação de riscos de crédito, os conflitos de interesse nas agências de classificação e a baixa transparência de operações bilionárias que passavam ao largo dos balanços dos bancos.
Diante da crise das hipotecas de alto risco e dos problemas de supervisão, o governo americano anuncia, agora, um vasto projeto de reforma da arquitetura reguladora do setor financeiro. O plano designa o Fed (banco central) como "regulador de estabilidade de mercado", ampliando seus poderes para examinar os balanços de quaisquer instituições financeiras (bancos comerciais, de investimento, companhias de seguro e fundos de investimentos) e implementar ações corretivas.
As diversas agências reguladoras seriam consolidadas em apenas três corpos burocráticos: um "regulador financeiro preventivo" para as operações diárias das instituições financeiras; uma agência de vigilância dos empréstimos imobiliários; uma agência para regular a conduta dos investidores e dar proteção ao consumidor.
Vale lembrar que, para tornar-se realidade, o projeto do governo Bush precisa passar pela aprovação do Congresso -em ano de eleição. Isso provavelmente desencadeará batalhas envolvendo agências públicas, candidatos em busca de votos e financiamento e o poderoso lobby de Wall Street.
Seja qual for o resultado dessa disputa, um aperto na normatização da finança mundial tornou-se indispensável. Como disse o secretário do Tesouro, Henry Paulson: "A estrutura de nossa regulamentação não está adaptada a um sistema financeiro extremamente complexo, globalizado e heterogêneo".
Mercados financeiros mal regulamentados e supervisionados tendem a exacerbar riscos na busca de ganhos extraordinários. Quando as bolhas estouram, o erário é chamado a salvar aventureiros, com prejuízos monumentais para toda a sociedade.


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