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A inviolabilidade da vida humana
CLAUDIO FONTELES
Por que insistir em pesquisa que tem caminhada de dez anos e nenhum resultado? Ou melhor, cujo resultado é violar a vida humana?
A PROFESSORA Lygia Pereira,
em recente artigo, perguntando-se sobre o que considerou
"uma nova polêmica [que] surgiu no
mundo todo: esse embrião é uma vida
ou não?", foi rápida e enfática na resposta: "Ora, é claro que ele é uma forma de vida humana, assim como um
feto, um recém-nascido e um idoso
também são".
Pensei: bem, a controvérsia está
terminada, ao menos entre nós dois,
pois, se o embrião, o feto, o recém-nascido e o idoso, todos constituem-se forma de vida humana, vistos por
certo nos estágios cronológicos de sua
existência, o embrião é vida humana.
Mas eis que a professora Lygia
prossegue e, após estabelecer que "a
real questão é "que formas de vida humana nós permitiremos perturbar?'",
sustenta que "a "vida" mencionada na
nossa Constituição já é legalmente
violada em algumas situações". Elenca a morte cerebral e a permissão do
aborto em caso de estupro ou de risco
de vida para a gestante a perguntar,
então: "E aquele embrião de cinco
dias, produzido por fertilização "in vitro" e armazenado em um congelador,
em que condições ele é uma forma de
vida passível de ser violada?", para
responder: "A Lei de Biossegurança,
de 2005, permite o uso para pesquisa
de embriões inviáveis -que não sejam capazes de se desenvolverem em
um recém-nascido ou que estejam
congelados há mais de três anos".
Anotado o eufemismo "que formas
de vida humana nós permitiremos
"perturbar'" e poucos dias após o início do julgamento, eis que a imprensa
brasileira, em decisiva matéria sobre
o assunto, documenta a existência do
menino Vinícius, de seis meses, embrião congelado por oito anos, destacada a frase de sua mãe, Maria Roseli,
a dizer: "Imagine se eu tivesse doado o
embrião para pesquisa".
É a comprovação clara do que a professora Alice Teixeira asseverou na
audiência pública, no que não foi contestada até hoje, no sentido de que há
no mundo, especificamente nos Estados Unidos, pessoas, embriões congelados por sete, nove e até 13 anos.
No Brasil, a professora Alice Teixeira apontou o caso de Alissa, embrião
congelado por seis anos. Por certo,
inúmeras são as pessoas, embriões
congelados por vários anos.
Tais fatos, tão inequívocos, constatam que o prazo único de três anos,
posto no artigo 5º da Lei de Biossegurança, após o que autorizada estava a
pesquisa com embriões, é prazo aleatório, destituído de qualquer fundamento científico sério.
O princípio constitucional que consagra como direito individual fundamental a inviolabilidade da vida humana queda inexoravelmente comprometido ao permitir-se que permaneça a eliminação do embrião humano, para qualquer fim. Inviolabilidade da vida humana significa destacar
e colocar em patamar supremo a existência do ser humano.
Como manter pesquisa cujo objeto
são embriões humanos congelados
se, quando descongelados e implantados no útero materno, vivem? Se há
os que morrem, há os que vivem. Aí
estão Alissa, Vinícius e tantos mais.
O princípio da inviolabilidade da
vida humana não se define por estatísticas. Demonstrado e provado, como está, e por forma inequívoca, que
o embrião congelado por mais de três
anos vive, a norma jurídica que autoriza sua eliminação para pesquisa é
flagrantemente inconstitucional.
Como, ainda, diante de fatos tão
claros e inequívocos, dizer que Alissa,
Vinícius e tantos mais não são vidas
humanas, não são brasileiros, porque
foram embriões congelados e, segundo o pensamento do relator, ministro
Carlos Britto, fecundados "in vitro",
estariam condenados à solidão infinita e vida neles não há?
Depois que propus a ação direta de
inconstitucionalidade, linhas várias
de pesquisa se abriram, a indicar o valor do líquido amniótico, da placenta,
do cordão umbilical, a presença das
células-tronco adultas nas paredes de
todos os vasos sanguíneos -aqui, graças ao trabalho de equipe de pesquisadores da USP de Ribeirão Preto, segundo declaração à imprensa do professor Dimas Tadeu Covas-, no tratamento das doenças degenerativas.
O professor Thompson, quem primeiro pesquisou com células-tronco
embrionárias, abandonou essa linha
de pesquisa para concentrar-se, como o faz o professor Yamanaka e
equipe, em outra vertente: a reprogramação genética das células adultas, conduzindo-as à pluripotência.
O leque de pesquisas está aberto.
Por que insistir naquela vertente que
já tem caminhada de dez anos e cujo
resultado é nenhum ou, a dizer com a
realidade, cujo resultado é violar a vida humana?
Termino repetindo o alerta de Maria Roseli, mãe de Vinícius: "Imagine
se eu tivesse doado o embrião para
pesquisa".
CLAUDIO FONTELES, 61, mestre em direito pela UnB
(Universidade de Brasília), professor de direito processual penal, é subprocurador-geral da República. Foi procurador-geral da República de 2003 a 2005.
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