São Paulo, sábado, 01 de junho de 2002

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Padre Henrique Vaz S.J. (1921 - 2002)

Logo que fiquei sabendo de sua operação, pedi a Deus por esse caro irmão e amigo e desejava fazer-lhe uma visita no hospital, embora rápida, para não cansá-lo. Qual não foi a surpresa de todos nós ao recebermos a notícia de que, no dia 23/5, Deus acabava de chamá-lo, aos 80 anos, para o prêmio de uma vida exemplar de dedicação a Jesus Cristo e serviço aos irmãos.
Padre Henrique Cláudio de Lima Vaz nasceu em Ouro Preto, em 24/8/ 1921. Estudou no colégio Arnaldo, em Belo Horizonte. Aos 16 anos, ingressou no noviciado da Companhia de Jesus. Revelou, desde a infância, profunda sede da verdade, amor a Cristo e a Nossa Senhora e desejo de se consagrar totalmente a Deus, como seu irmão, dom José Carlos, jesuíta e bispo de Petrópolis, atestou na comovente homilia da missa exequial.
Formado em teologia e ordenado sacerdote em Roma (15/7/1948), obteve com brilhantismo o doutorado em filosofia pela Universidade Gregoriana. De volta ao Brasil, entregou sua vida ao serviço de Deus no estudo e na formação de jovens religiosos, estendendo o seu magistério a várias universidades.
Permita-me, caro padre Henrique Vaz, hoje na "Casa do Pai", dizer-lhe todo afeto e profunda admiração que lhe dedico. Lembro-me do dia em que assumiu as aulas, em 1952, na Casa de Formação dos Jesuítas em Nova Friburgo (RJ).
Unia excelente preparação filosófica ao desejo de ajudar os alunos a descobrir o fascínio da verdade e o método rigoroso do trabalho intelectual. Suas aulas nos encantavam. Ficamos cativos de sua paciência e de sua bondade com os jovens seminaristas, distantes da acuidade de seu pensamento e da riqueza de sua erudição. O domínio da língua grega assegurava-lhe a familiaridade com Platão e com Aristóteles. Tornou-se um especialista em filosofia tomista e medieval. Com denodo e argúcia, penetrou no pensamento de Hegel e dos autores modernos e contemporâneos. Soube, em nossos dias, propor com coragem intelectual o humanismo teocêntrico e o itinerário do espírito para Deus.
Meu caro padre Vaz, na sua pessoa transparecia a beleza do diálogo interior com Deus na intensa vida de oração silenciosa. A contemplação se abria para a conversa amiga e para a profundidade mística com o Mestre do Amor e da Verdade. Os anos passaram na busca constante da sabedoria no magistério e na publicação de livros e artigos que formam hoje a melhor contribuição de um filósofo brasileiro nos campos da metafísica, da antropologia e da ética.
Seus méritos tornaram-se ainda mais relevantes pela capacidade de inserir-se no seu tempo e de compreender a complexidade dos sistemas, os embates políticos, a angústia e as justas aspirações da juventude. Homem de Deus, nos anos difíceis do governo militar, soube -sem medo- defender a liberdade e sustentar a fé dos que eram perseguidos. Encontrava tempo para visitar os enfermos e idosos e para ouvir e orientar com ternura as pessoas que o procuravam. Vejo o seu sorriso afável, discreto e acolhedor e o seu olhar, que transmite a paz de quem em toda a vida busca somente a Deus.
Hoje, alegro-me vendo-o feliz, contemplando, na plena luz, Aquele que sempre amou.
Obrigado, padre Henrique, pela sua vida. É mensagem de esperança. Faz-nos bem, em tempos obscuros e de atrofia do pensamento, agradecer a Deus o exemplo desse irmão, que, com harmonia, conjugou razão e fé, sabedoria e virtude, simplicidade, despretensão e solicitude fraterna.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.


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