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Razão e vontade
ANDRÉ LARA RESENDE
Na semana passada, sustentei que o
espectro do desemprego crônico como decorrência do progresso tecnológico e da globalização é um falso fantasma.
A verdadeira causa do alto desemprego em certos países europeus é a
combinação do mercado de trabalho
necrosado por uma legislação inflexível com a falta de dinamismo da economia, asfixiada pelo protecionismo
do capitalismo de Estado.
Sei que o tema é complexo e controvertido. Não há como tratá-lo com a
devida profundidade neste espaço. O
artigo de jornal serve, na melhor das
hipóteses, para estimular o debate e
levar o leitor interessado a se aprofundar.
As manifestações foram muitas. O
professor José Pastore, da USP, especialista em economia do trabalho,
concordou. Lembrou que quanto
mais inflexível a legislação e o mercado de trabalho, maior e mais persistente é o desemprego e a economia informal.
Um combativo defensor da integração econômica observou que a abertura pode realmente causar desemprego quando os salários são rígidos.
A menor proteção tarifária modifica
os preços relativos e a rentabilidade de
diferentes setores e atividades. Quanto
mais inflexível o mercado de trabalho,
mais longo e penoso será o processo
de reorganização.
Trata-se, entretanto, de um desemprego setorial e transitório. Muito distinto do desemprego crônico apregoado pelas teses do pessimismo tecnológico.
Já Clóvis Rossi parece discordar.
Ainda na semana passada, em artigo
aqui do lado, defendeu a tese de que
nossos encargos trabalhistas não são
altos.
Baseou-se num trabalho que utiliza
uma definição mais restrita de encargos. O professor José Pastore protestou em carta ao "Painel do Leitor":
não importa o nome que se lhes dê,
tudo que onera o custo da mão-de-obra contribui para o desemprego e a
informalidade.
No sábado, Clóvis Rossi voltou a
protestar contra os que querem dar
mais flexibilidade ao mercado de trabalho.
Segundo ele, um artigo do economista Marcelo Neri, do Ipea, observa
que houve uma redução significativa
da pobreza nos 15 meses posteriores
ao Real. Como grande parte dessa melhoria se deu nos meses em que o salário mínimo foi reajustado, conclui: o
mínimo não é nem remotamente desprezível como fator de combate à pobreza.
Sinceramente! A inflação é um imposto terrível sobre o pobre. Estabilizam-se os preços, vindo de uma inflação de 50% ao mês. O mínimo é reajustado, como o foi sistematicamente
durante todos os anos anteriores. A
pobreza se reduz. Qual o fator responsável pela redução da pobreza: o fim
da inflação ou o aumento do mínimo?
Não é preciso conhecer econometria
ou ter ouvido falar em correlação espúria para perceber que atribuir o crédito ao reajuste do mínimo é absurdo.
Temos propensão para gostar dos
argumentos favoráveis às teses que
nos são caras.
Ainda na semana passada, tomei de
um amigo o livro com entrevistas de
Jorge Luis Borges que trazia na pasta.
Questionado se estaria de acordo com
Bernard Shaw, segundo quem a função da inteligência é justificar a vontade, Borges responde, melancólico,
que infelizmente é possível.
Discordo, mas reconheço que a tentação é grande.
André Lara Resende escreve às terças-feiras nesta coluna.
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