São Paulo, terça, 1 de julho de 1997.



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Pai do Real

Ao contrário de muitos, Itamar não é dotado de espírito individualista e é avesso ao culto da própria personalidade


HENRIQUE HARGREAVES

Em nenhum lugar do mundo uma equipe econômica tem poder de decisão política. As decisões sobre as diretrizes e metas do Plano Real foram de caráter político, sobre um estudo econômico. Essa decisão política, no regime presidencialista, é exclusiva do presidente da República.
Sem sua aprovação, não haveria o Plano Real. Na verdade, a elaboração do projeto foi de uma equipe técnica, que formulou várias hipóteses, várias alternativas, vários componentes, uns aceitos, outros não.
Esse estudo, entregue ao presidente Itamar Franco, foi por ele estudado minuciosamente, comentado no círculo mais íntimo com a discrição exigida, ponderado em seus vários aspectos, modificado em várias partes e rejeitado em tantas outras.
Nenhum artigo constante da medida provisória nş 542, de 30/6/94 -que somente veio a ser transformada na lei nş 9.069 em 30/6/95-, que instituiu o Plano Real, deixou de ser examinado. A MP só foi editada por sua vontade.
Portanto, não há que pesquisar quem é o pai do Plano Real, como também não há como pretender excluir da sua edição o principal personagem, o titular absoluto da decisão política: o presidente Itamar Franco.
No entanto, ao contrário de muitos, Itamar não é dotado de espírito individualista e é avesso ao culto da própria personalidade. É do seu estilo a solidariedade administrativa. Por isso, a medida provisória que instituiu o plano foi apresentada em reunião ministerial e assinada por todos os ministros de Estado, numa demonstração de que se tratava de uma alta decisão política de governo.
Fernando Henrique, com inegável participação no processo, não a assinou porque já não ocupava o ministério, eis que já se apresentara candidato à sucessão com irrestrito apoio e patrocínio do presidente Itamar Franco. Em várias oportunidades, no entanto, o presidente sempre procurou associar o nome de Fernando Henrique ao Plano Real.
É ainda importante ressaltar, naturalmente homenageando os que concluíram o estudo, que o Plano Real não foi um achado repentino, um facho que refletiu momentaneamente nas cabeças de uns poucos iluminados; é resultante de um somatório de experiências durante um longo período da vida republicana.
No próprio governo Itamar Franco, o assunto vinha sendo estudado, nas gestões de Gustavo Krause, Paulo Haddad, Eliseu Resende, Fernando Henrique e Ricupero. Depois o plano foi continuado na sua implantação por Ciro Gomes. E um antecedente de suma importância foi o Programa de Estabilização Econômica, criando uma moeda de transição, a URV, base preparatória para o real.
É ainda inimaginável excluir do sucesso do plano a colaboração do Congresso Nacional, que não deixou de dar o seu apoio, e a compreensão da sociedade em relação aos apelos do governo.
Essas são as razões, quando se celebra mais um aniversário do Plano Real, de prestarmos este depoimento, no sentido de alertar para o perigo da busca frenética de direitos autorais, pois, caso não se acautelem na condução dessa diretriz econômica que possui todos os ingredientes para uma estabilização com desenvolvimento, poderá haver um momento em que a declarada paternidade não seja mais desejada.
Henrique Hargreaves, 61, advogado, foi ministro-chefe do Gabinete Civil (governo Itamar Franco).





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