São Paulo, terça-feira, 01 de julho de 2008

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MARCOS NOBRE

Liberalismo à brasileira

O LIBERALISMO nunca se sentiu em casa no Brasil. A dependência do Estado sempre foi tão escancarada que fazer o elogio do "espírito animal do empresário" parecia piada pronta.
Isso mudou nos últimos vinte anos. Em parte por necessidade.
Porque, afinal, o Estado quebrou e não podia mais financiar como antes o liberalismo à brasileira. Mas houve também um outro lado da história. Defensores da modernidade liberal chegaram à conclusão de que o problema do ranço anticapitalista brasileiro era cultural. E se lançaram à batalha de convencer corações e mentes de que capitalismo é bom, de que lucro não é pecado, de que o talento deve ser reconhecido pela sua remuneração.
Há hoje no Brasil toda uma geração de empresários, executivos, acadêmicos e administradores que foi formada e que age segundo esses preceitos. Mas liberais discretos não fazem um grau de investimento. Os sóbrios defensores da revolução cultural capitalista necessitam de exemplos exuberantes e desinibidos.
Os novos ricos que não cansam de alardear a excelência da própria cobiça são o outro lado da longa busca de um liberalismo brasileiro. O discreto gestor de fundos não existe sem o bilionário extravagante.
Esse novo bloco conservador não parece ter até o momento outro horizonte que não o da democracia. Isso é certamente um avanço se se pensar no número e na duração das ditaduras e dos pactos oligárquicos na história brasileira recente. E é também um avanço que parte importante da economia brasileira tenha se desprendido de uma dependência estatal crônica.
Nem por isso o Estado deixou de ser o mais decisivo sustentáculo da nova etapa do capitalismo. E muito pouca gente realmente acha que a escandalosa desigualdade brasileira vai ser resolvida simplesmente com desenvolvimento econômico. Mas ideologia tem lá suas manhas teológicas. Quando funciona, faz as pessoas realmente acreditarem no que dizem e fazem.
Foi o caso do empresário Eike Batista ao polemizar com a recente decisão do governo de proceder à licitação pública de concessões para construção e operação de portos privativos. Interessado em construir três terminais de uso privativo misto, disse o seguinte: "Se sou dono da terra e do projeto não sou obrigado a vender nada. Uma licitação para hidrelétrica tem como base o curso de um rio que pertence à União, mas, na minha casa, faço o que eu quiser. Será que voltamos à era da estatização?".
A pergunta só pode ser respondida com outra: será que estamos em plena era do liberalismo da casa da mãe Joana?

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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