|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
O bonde
ZURIQUE - O cartaz no ponto de
bonde da Banhofstrasse avisa que o
bonde da linha 6 chegará às 11h46.
Um minuto antes, eis que aponta o
"6" na esquina. Deixo passar. Confiro o horário da linha 11. Previsão:
chegada às 11h48. Chega.
Dispenso-me de testar as duas
outras linhas que param no mesmo
ponto.
Fiz o teste porque descobri, humilhado, que eu, brasileiro, instrução universitária, devidamente
aculturado, tive o mesmo espanto
de uma somali, instrução básica,
cultura ainda clânica, ao cair no
mundo civilizado.
Refiro-me a Ayaann Hirsi Ali, naturalizada holandesa, cuja turbulenta história de vida está em "Infiel", livro recém-lançado no Brasil
pela "Companhia das Letras".
Escreve Ayaann sobre um momento de sua chegada a Amsterdã:
"Enquanto esperava para fazer baldeação, reparei que o ônibus chegou exatamente na hora marcada,
catorze horas e trinta e sete minutos, pontualmente. (...) Como era
possível prever que o ônibus chegaria precisamente às catorze e trinta
e sete? Acaso eles também controlavam as regras do tempo?".
Na primeira vez em que topei
com um cartaz (no caso eletrônico)
avisando que o bonde chegaria dentro de tantos minutos (em Frankfurt), também duvidei. Chegou. Em
São Paulo, não é possível ter certeza
do horário de chegada nem de carro, o que dirá de ônibus ou bonde,
obrigados a percurso fixo.
É claro que os holandeses (ou os
alemães ou os suíços) não têm o
controle do tempo. Têm apenas a
noção plena de que as coisas podem
funcionar direito, sim. Podem, não.
Devem. Têm que.
Por aqui, se o ônibus/bonde/
trem/metrô atrasar além do tolerável, há resmungos. No Brasil (ou na
África), se chegar no horário, há
agradecimentos. Como se fazer a
coisa certa fosse um favor, não uma
obrigação elementar, primária,
básica.
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: O nó das licitações Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: Escárnio, mas de rotina Índice
|