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Divina autocrítica
JOSIAS DE SOUZA
São Paulo -Hoje, olhando em retrospectiva, talvez Eu fizesse diferente.
Mas ali, na hora, de chofre, confesso
que improvisei. Dispunha de pouco
tempo. Sabe lá o que é criar, em uma
semana, o céu, a terra, as águas, o fogo, os bichos, as árvores e tudo mais?
Foi uma loucura!
Só na mulher, perdi um tempo dos
diabos. Prometera a mim mesmo que
capricharia. Aquela seria a minha
obra-prima. Havia planejado cada
contorno, cada saliência, cada reentrância. Foi tamanho o meu entusiasmo que descuidei do resto.
Descuidei do homem, por exemplo.
Tento não me culpar. Afinal, raciocino comigo, foi feito em cima das coxas,
a partir de uma mísera costela. O fato,
porém, é que deu no que deu. Ainda
hoje me pergunto onde foi que Eu errei. Sem tempo para equipar melhor o
intelecto, talvez devesse ter parado na
fase primata, sei lá.
Só depois de pronto, me dei conta de
outra falha. Na pressa, apara daqui,
lixa dali, esqueci aquele pedacinho entre as pernas. Como as coisas depois se
encaixaram, imaginei que tudo acabaria bem. Engano. Aquilo serviu de
mote à serpente. E custou, como se sabe, todo um Éden à humanidade.
Na etapa de criação dos lugares, dei
atenção extra ao Brasil. Porém, de novo, fui premido pelo tempo. Foi um Eu
nos acuda, digo, um Deus nos acuda.
O clima ficou OK. A paisagem, exuberante. Gostei de ter dado alma folgazã
ao povo. O problema é que descuidei
da elite.
Às vezes me bate um sentimento de
culpa. Noutro dia, cheguei a abrir espaço em minha agenda para refazer o
malfeito. Contabilizei os problemas
causados pela elite brasileira. Dividi
minha disponibilidade por eles. E me
dei conta de que não teria tempo para
me ocupar de todos. Decidi, então, relaxar e esquecer o Brasil. Fui cuidar de
coisas mais simples. Sou Todo-Poderoso, onipresente, onisciente... Mas
milagres também têm um limite.
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