|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O grande contraste
ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES
Graças aos avanços da medicina,
tem-se condições de travar as doenças
antes que elas apareçam. Os testes para o seu rastreamento estão prontos.
Sabendo que uma pessoa tem um encontro geneticamente marcado com
um infarto ou um câncer, por exemplo, esse encontro pode ser desmanchado, livrando-a desses males pelo
resto da vida.
Cerca de mil doenças podem ser eliminadas do corpo humano antes do
surgimento de qualquer sintoma. É
uma grande revolução. Esse avanço é
potencializado por uma outra importante descoberta no campo da biologia molecular -a identificação da trajetória das proteínas dentro das células.
Günter Blobel, Prêmio Nobel de Medicina em 1999, descobriu que cada
proteína tem um endereço certo e que
isso pode ser identificado por meio de
sinais captados nas organelas, que são
pequenas estruturas do citoplasma.
Com base nesse conhecimento, novos remédios estão sendo inventados.
Eles usarão as próprias células como
fábricas de proteínas que, por sua vez,
tomarão um destino certeiro. O entendimento do código de transporte
das proteínas permitirá reprogramar
as células do corpo, livrando-o de inúmeras doenças.
Os avanços da medicina genética e
da biologia molecular, ao mesmo tempo em que prometem alento para o
sofrimento humano, abrem uma série
de questões de ordem ética e social.
Uma delas diz respeito ao acesso.
Atualmente, a descoberta prévia de
infarto, câncer ou degeneração cerebral custa, em média, R$ 2.000, o que,
no caso brasileiro, exclui a esmagadora maioria da população. Estamos
diante de uma descoberta que agrava
a desigualdade?
Um outro ponto se refere às consequências do prolongamento da vida
de milhões de pessoas que, mais tarde,
vão demandar proteção das instituições de saúde e previdência que estão
quebradas. Quem pagará para viver
mais?
Finalmente, pergunta-se até que
ponto compensa saber que uma pessoa vai ter determinada doença enquanto essa doença não estiver dentro
do rol das moléstias tratáveis.
São problemas que têm solução. A
massificação dos testes genéticos contribuirá para o seu barateamento. A
proteção dos mais velhos terá de se
apoiar numa nova previdência. A descoberta de doenças não-curáveis poderá acelerar as pesquisas para chegar
à cura.
Nesse ínterim, temos de encontrar
solução para as moléstias corriqueiras
e que ainda causam tanto sofrimento
aos brasileiros, como é o caso das infecções intestinais, da doença de Chagas, da esquistossomose, da malária,
da dengue e de tantas outras.
No campo da saúde no Brasil, são
vários os motivos para celebrar as soluções do futuro. Mas muito mais urgente é cuidarmos dos problemas do
passado, ou seja, das doenças que já
foram do passado e ameaçam voltar
descabidamente. É o grande contraste.
Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos
nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Palavras caras Próximo Texto: Frases
Índice
|