São Paulo, Domingo, 02 de Janeiro de 2000


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O grande contraste

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Graças aos avanços da medicina, tem-se condições de travar as doenças antes que elas apareçam. Os testes para o seu rastreamento estão prontos. Sabendo que uma pessoa tem um encontro geneticamente marcado com um infarto ou um câncer, por exemplo, esse encontro pode ser desmanchado, livrando-a desses males pelo resto da vida.
Cerca de mil doenças podem ser eliminadas do corpo humano antes do surgimento de qualquer sintoma. É uma grande revolução. Esse avanço é potencializado por uma outra importante descoberta no campo da biologia molecular -a identificação da trajetória das proteínas dentro das células.
Günter Blobel, Prêmio Nobel de Medicina em 1999, descobriu que cada proteína tem um endereço certo e que isso pode ser identificado por meio de sinais captados nas organelas, que são pequenas estruturas do citoplasma.
Com base nesse conhecimento, novos remédios estão sendo inventados. Eles usarão as próprias células como fábricas de proteínas que, por sua vez, tomarão um destino certeiro. O entendimento do código de transporte das proteínas permitirá reprogramar as células do corpo, livrando-o de inúmeras doenças.
Os avanços da medicina genética e da biologia molecular, ao mesmo tempo em que prometem alento para o sofrimento humano, abrem uma série de questões de ordem ética e social.
Uma delas diz respeito ao acesso. Atualmente, a descoberta prévia de infarto, câncer ou degeneração cerebral custa, em média, R$ 2.000, o que, no caso brasileiro, exclui a esmagadora maioria da população. Estamos diante de uma descoberta que agrava a desigualdade?
Um outro ponto se refere às consequências do prolongamento da vida de milhões de pessoas que, mais tarde, vão demandar proteção das instituições de saúde e previdência que estão quebradas. Quem pagará para viver mais?
Finalmente, pergunta-se até que ponto compensa saber que uma pessoa vai ter determinada doença enquanto essa doença não estiver dentro do rol das moléstias tratáveis.
São problemas que têm solução. A massificação dos testes genéticos contribuirá para o seu barateamento. A proteção dos mais velhos terá de se apoiar numa nova previdência. A descoberta de doenças não-curáveis poderá acelerar as pesquisas para chegar à cura.
Nesse ínterim, temos de encontrar solução para as moléstias corriqueiras e que ainda causam tanto sofrimento aos brasileiros, como é o caso das infecções intestinais, da doença de Chagas, da esquistossomose, da malária, da dengue e de tantas outras.
No campo da saúde no Brasil, são vários os motivos para celebrar as soluções do futuro. Mas muito mais urgente é cuidarmos dos problemas do passado, ou seja, das doenças que já foram do passado e ameaçam voltar descabidamente. É o grande contraste.


Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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