São Paulo, domingo, 02 de janeiro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O meio que falta

MAKHTAR DIOP


A melhor tradução da falta de "meios" é a própria classe média nacional: tendo crescido substancialmente, ainda segue muito aquém do seu potencial

Há poucos dias, a Folha abriu a sua Primeira Página com uma reportagem sobre como a "classe C" já compra mais eletrodomésticos do que as classes "A" e "B". O fato reflete um importante ponto de inflexão para o Brasil, especialmente neste momento, quando o país redobra o seu olhar para o futuro.
De muitas maneiras, a presidente Dilma Rousseff enfrentará um contexto de desenvolvimento muito diferente dos seus antecessores.
Nas últimas duas décadas, o Brasil deixou para trás muitos dos seus mais fundamentais desafios sociais e econômicos. Universalizou a educação básica, consolidou as bases fiscais para o crescimento, o investimento e a geração de empregos e reduziu a pobreza em dezenas de milhões de pessoas.
São conquistas enormes. Mas, paradoxalmente, a própria envergadura dos feitos torna o caminho à frente mais desafiador. É como um edifício: quanto mais alto, mais difícil construir cada novo andar.
Assim, o Brasil enfrenta novas questões para eliminar completamente a pobreza, oferecer oportunidades para todas as crianças e expandir a infraestrutura de maneira sustentável e planejada. Esses desafios exigem o contínuo fortalecimento das instituições e da capacidade de investimento da iniciativa privada, o que vem ocorrendo.
Ao mesmo tempo, embora as enormes conquistas sociais e econômicas dos últimos anos tenham beneficiado principalmente os pobres, elas ainda não foram capazes de eliminar as desigualdades básicas do país, tanto entre o Norte e o Sul quanto entre as periferias e os bairros nobres das grandes cidades. A diferença de renda entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres ainda é enorme, de 4.400%.
Assim, a manchete da Folha ressalta tanto a persistência desses desafios quanto o avanço que está ocorrendo. Ela é um reflexo da falta no Brasil de muitos "meios", lacunas entre extremos. O Brasil precisa abordar essas distorções, que ameaçam o potencial do país.
Agora que quase todas as crianças frequentam a escola básica, mais acesso e qualidade no ensino secundário tornam-se cruciais para a competitividade do Brasil.
Há uma lacuna evidente entre a educação básica e a universitária, o que limita as oportunidades de milhões de jovens. Da mesma forma, o Brasil desenvolveu um setor privado altamente produtivo. Contudo, quase não há ascensão de empresas pequenas e médias para competir com as grandes. Elas não conseguem desenvolver a produtividade e ter acesso ao financiamento. Muitas iniciativas que são promissoras se perdem pelo caminho.
A melhor tradução da falta desses "meios" é a própria classe média. Tendo crescido substancialmente, ela ainda permanece muito aquém do seu potencial, principalmente em termos dos serviços a que tem acesso.
O Brasil continua a tirar as pessoas da pobreza e precisa redobrar a expansão das oportunidades e das instituições para a nova classe média -que vai além da renda. Sob esse prisma, o país continua muito dividido entre ricos e pobres.
O Brasil aliou avanços econômicos e sociais, baseando seu crescimento sobre a demanda interna e as pessoas que saem da pobreza.
É uma agenda essencialmente brasileira, mais um estágio na jornada para se tornar país desenvolvido. Abordar os diversos "meios" que lhe faltam será forma eficiente de enfrentar a nova geração de desafios e garantir que todos se beneficiem das novas oportunidades.
Que a "classe C" compre sempre mais eletrodomésticos, carros, casas, educação e saúde para os seus filhos -e que isso seja o normal, e não que justifique manchetes.

MAKHTAR DIOP, 50, economista, é diretor do Banco Mundial para o Brasil. Foi ministro da Economia e Finanças do Senegal.

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