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JOSÉ SERRA
Com as duas mãos
A agropecuária brasileira
-ou o "agronegócio", como
passou a ser chamada nos últimos
anos- tem sido o setor mais dinâmico de nossa economia e tem dado contribuições decisivas para estabilizar os
preços e atenuar as fraquezas do balanço de pagamentos. Para isso, têm
concorrido a generosa disponibilidade de terras, a grande capacidade dos
trabalhadores e empresários rurais
(inclusive na agricultura familiar) e as
condições favoráveis da demanda externa. Mas o ativismo governamental
foi decisivo, através das pesquisas da
Embrapa e de outros institutos públicos e de iniciativas do governo Fernando Henrique, como as renegociações periódicas de dívidas, os empréstimos com juros fixos e subvencionados, o Moderfrota com juros baixos
para a compra de equipamentos e o
Programa de Apoio à Agricultura Familiar.
Essa história de sucesso confirma
que as economias modernas, para
avançar, precisam ser impelidas com
duas mãos, a inquieta do mercado e a
ativa e ordenadora do Estado. Mercado foi o primeiro conceito econômico
que assimilei. Mesmo antes de ser alfabetizado, eu sabia que meu pai trabalhava num mercado, no caso, o
Mercado Municipal de São Paulo, que
freqüentei até minha adolescência.
Aprendi que lá se encontravam produtores e consumidores, muitas vezes
por meio de intermediários, para comercializar produtos alimentícios. E
que os preços oscilavam, a natureza
mais ou menos perecível de cada produto afetava estoques e vendas, e as informações eram fundamentais para
orientar vendedores e compradores.
Talvez por essa origem e depois por
minha formação acadêmica de economista, sinto-me incomodado com o
conceito estreito de mercado que tem
prevalecido no Brasil. Em nenhum lugar do mundo, o mercado tem sido
entendido, tanto quanto aqui, apenas
como mercado financeiro internacional e suas projeções na economia doméstica. Lá fora e aqui, o tal mercado é
também da cenoura, da banana, do
aço, das roupas, dos automóveis (em
geral, os empresários desses setores
são os chamados de "chorões" pelo
governo). Alguns mercados, aliás, tendem a sofrer freqüentes desarranjos,
pois são muito imperfeitos. Dentre
eles, o financeiro. Isto, nos meios acadêmicos do hemisfério Norte, é verdade quase estabelecida e sua demonstração gerou até a conquista de prêmios Nobel, como o do brilhante economista Joseph Stiglitz.
No mundo contemporâneo, a prosperidade econômica exige que se trabalhe com o mercado, à procura de
eficiência e crescimento. Mas o PT,
convertido tardiamente a essa tese, se
confunde. À frente do governo federal, em vez de trabalhar com o mercado, parece trabalhar para o mercado,
especialmente o financeiro. Essa visão
não vai dar certo a médio e longo prazos, havendo o risco de um duplo prejuízo: primeiro, um crescimento econômico instável e, na média, lento; segundo, a volta de concepções estatizantes, adversas ao mercado.
A virtude está em combinar, de forma adequada, mercado e ação do Estado, pois o desenvolvimento não
chegará espontaneamente, na base de
discursos terceiro-mundistas e manifestações de amizade ao mercado financeiro internacional. O espontaneísmo em lugar nenhum do mundo
levou, por si só, ao desenvolvimento
sustentado. Este sempre resultou de
políticas deliberadas e específicas, até
porque não existe uma receita universal para atingi-lo. Nessa matéria, cada
país é um caso diferente, dependendo
de sua geografia, de sua história, de
sua cultura e de sua sociedade.
José Serra escreve às segundas nesta coluna.
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