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TENDÊNCIAS/DEBATES
Ética nos negócios
ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO
É preciso dar um basta no perverso processo de desagregação social gerado pela falta de ética
nas relações sociais
É COMUM, no Brasil, muitas pessoas considerarem o lucro algo
quase pecaminoso e a empresa
privada que visa lucros um mal necessário que deve, portanto, ser bem
controlado pelo governo. O governo,
nessa visão, é visto como o repositório confiável e eficiente do interesse
coletivo. Para os que pensam dessa
forma, é quase paradoxal falar em ética nos negócios, pois, consciente ou
inconscientemente, associam negócios a falta de ética.
De outra parte, há os que vêem o
governo como inimigo. Um ente que
só arrecada de forma quase extorsiva
e não fornece quase nada -ou, pelo
menos, nada compatível- em troca
dos recursos retirados dos contribuintes. Para estes, sonegação de impostos, contrabando, pirataria, não
cumprimento da legislação trabalhista e outras "desobediências" são atos
justificados como forma de defesa do
contribuinte contra a ferocidade fiscal do governo e não representam falta de ética nos negócios.
Infelizmente, é grande e crescente
o contingente de brasileiros que pensa dessa forma. Entretanto, como
mostraremos abaixo, a ética nos negócios é indispensável para o crescimento econômico, sadio e sustentado, em uma economia de mercado.
Para comprovar essa assertiva, devemos começar lembrando que a vida
em sociedade exige regras de convivência. Caso não existissem essas regras ou não fossem elas respeitadas,
vigoraria a lei das selvas, a do mais
forte ou a do mais esperto. Nesse ambiente, o espaço para o progresso humano é extremamente diminuto.
Foi exatamente a elaboração de leis
que estabeleceram normas de comportamento que permitiu a convivência de humanos de clãs diferentes e
viabilizou o progresso da civilização.
Logicamente não bastou a mera
existência de leis. Foi necessário que
fossem consideradas justas e adequadas para serem respeitadas pela
maioria da população. E aqueles que
não as obedecessem seriam punidos.
Em uma economia de mercado, a
necessidade da existência de regras
de comportamentos, direitos e deveres que sejam respeitados e obedecidos é talvez ainda mais importante.
A atividade econômica, seja na esfera da produção, seja na das trocas,
requer a confiança de que o acertado
seja cumprido -e, se não for, que
existam meios de exigir o cumprimento. Quanto mais houver obediência espontânea das regras (comportamentos éticos), menos tempo e dinheiro serão desviados para a defesa
de eventuais comportamentos não
éticos e para acionar os mecanismos
de defesa dos direitos. Com isso, mais
recursos e esforços podem ser aplicados nas atividades de produção e de
trocas, aumentando o produto social
e o bem-estar econômico.
Especialmente em relação a investimentos, a confiança no cumprimento dos contratos é indispensável.
Os investimentos -condição necessária e, na maioria das vezes, suficiente para o crescimento econômico- representam uma aposta no futuro desconhecido. Investe-se hoje
para colher resultados no futuro. Em
outras palavras, paga-se hoje para receber depois. Para alguém se dispor a
fazer tal transação, é preciso confiar
no respeito ao tratado. Quanto mais
confiança houver, mais dispostas as
pessoas estarão para poupar e investir. Portanto, maiores serão as perspectivas de crescimento econômico.
Ao inverso, se há desconfiança generalizada sobre o respeito ao que foi
combinado, menor é a disposição de
poupar e investir e menores são as
perspectivas de crescimento. Investir
representaria um grande risco que só
atrairia aventureiros e oportunistas
que exigiriam elevado retorno no menor prazo possível. Receber muito e
rapidamente e, depois, cair fora.
Essas considerações levantam sérias preocupações em relação ao futuro do Brasil. Vivemos em um momento muito delicado da vida nacional,
em que comportamentos éticos não
só não são valorizados como também
chegam a ser considerados antiquados e ultrapassados. Em que a alegação de que todo mundo é desonesto se
torna justificativa para o desrespeito
às leis. E em que a repetida impunidade gera grande desânimo em quem
cumpre suas obrigações e se torna
grande estímulo a atividades ilegais.
É preciso dar um basta no perverso
processo de desagregação social gerado pela falta de ética nas relações sociais. É preciso dar um basta no processo de canibalização das atividades
econômicas gerado pelo desrespeito à
legislação tributária, trabalhista e
previdenciária. Esse é o objetivo
maior da luta pela ética nos negócios.
ANDRÉ FRANCO MONTORO FILHO, 62, economista,
doutor em economia pela Universidade de Yale (EUA),
professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP, é presidente do Etco (Instituto Brasileiro de
Ética Concorrencial). Foi secretário de Economia e Planejamento de São Paulo (1995 a 2002) e presidente do BNDES (1985 a 1988).
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