São Paulo, terça-feira, 02 de março de 2004

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

O caminho agora

O governo do PT condena o Brasil à soma da estagnação com a desmoralização. Estagnação que pode ser interrompida por surtos de crescimento, mas que só será substituída por crescimento duradouro e includente quando houver mudança de concepção e de estratégia. Desmoralização que nega ao país meios políticos com que formar e fazer valer a vontade nacional. O que era suposto de marcar novo começo para o país já virou epílogo da fase mais frustrante de nossa história moderna.
Temos pela frente quase três anos de governo encolhido: amedrontado pelos mercados financeiros, pelos credores estrangeiros, pela base partidária, pela mídia e pelos endinheirados com que os governantes tiverem negociado acertos político-empresariais. Falsa é a tese de que se enfraqueceram as forças que dentro do governo se preparavam para reorientar a presidência Lula. Nunca houve alternativa dentro desse governo; somente as ansiedades de alguns indivíduos, aferrados ao poder e confusos nas idéias, que gostariam de ver os juros baixarem e os investimentos subirem e que não conseguem distinguir entre retórica e pensamento.
O problema maior agora não é com o governo; é com o país. Se a reação -sadia e necessária- da classe média se resumir à indignação moral, degenerará, mais uma vez, em moralismo estéril. Enquadrado o governo por escalada de protestos, haverá mais recato no Palácio. O resto, porém, continuará na mesma. Saída real exige combinação de três iniciativas.
A primeira parte da saída é aproveitar o movimento em favor do financiamento público das campanhas eleitorais e do voto em listas partidárias. Quem conhece esse assunto no Brasil está calado. Quem não conhece está, de boa-fé, em campanha contra. A experiência internacional é inequívoca, independentemente do nível de desenvolvimento e de honestidade em cada país. Os abusos e os custos do novo regime político seriam numerosos. São insignificantes comparados com os dois benefícios que aos poucos se imporiam: desatar vínculos entre o poder e o dinheiro e criar partidos fortes.
O segundo elemento da saída é insistir na formação do outro ideário. Não acreditamos no Brasil no poder das idéias; essa talvez seja a causa mais poderosa de nossa desgraça. O que adiantam cobranças se não se sabe o que fazer? Colaborando, em cursos e escritos, com homens tidos como os principais executores na América Latina da diretriz que o governo do PT seguiu, constato que nenhum deles hoje quer defender a pseudo-ortodoxia conformista -a mistura de idéias neoliberais e social-democratas- que virou o discurso geral da política latino-americana. Reconhecem a necessidade de abrir outro caminho. Se ninguém tiver paciência para prestar atenção ao conteúdo da alternativa, não haverá alternativa. Ficaremos onde estamos.
O terceiro ingrediente da saída é começar a organizar força social e política para disputar o poder. A reação, acalentada dentro da classe média, contra a corrupção é o que excita. Não é o que fecunda. O momento da virada só ocorrerá quando a antevisão de outro rumo nacional se associar na imaginação do país a lideranças que ganharem visibilidade e credibilidade no curso da luta que se inicia. Ânimo, Brasil! Nunca estiveste tão perto de tua libertação.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger


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