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Envelhecer dói
USHITARO KAMIA
Qual o valor da experiência de vida? No Brasil, quase nada. Envelhecer no nosso país é quase
um pecado mortal
QUAL O valor da experiência de
vida? No Brasil, quase nada.
Envelhecer no nosso país é
quase um pecado mortal. É uma condenação em vários sentidos. Ser idoso
por aqui é "ganhar" da medicina a capacidade de se manter vivo por mais
tempo e perder para a tecnologia o direito ao respeito e ao sentimento de
continuidade.
Vivemos num tempo em que os
conceitos de objetividade estão supervalorizados em detrimento da sabedoria subjetiva. Só tem valor o conhecimento cartesiano (penso, logo
existo) e que possa ser transformado
em dinheiro imediato. Experiência de
vida vale muito pouco na hora de disputar uma vaga de emprego.
Aliás, as pessoas mais velhas só têm
valor para agências de turismo que
criam roteiros para aumentar seus lucros. Os aposentados, então, são muito interessantes... para as instituições
financeiras interessadas nos juros e
lucros certos obtidos com os empréstimos para esse segmento.
Passar dos 50 significa uma ameaça
para os planos de saúde ávidos por dinheiro fácil. Encontro de gerações é
ficção científica atualmente. Foi-se o
tempo em que o respeito aos mais velhos era pré-requisito em qualquer família e condição básica na ética da
convivência.
A qualidade de vida não está resumida ao sentir-se bem fisicamente. É
preciso dignidade. E isso a tecnologia
e a máquina de consumo não nos
oferecem.
Para começar, a família é uma instituição em via de extinção nas médias
e grandes cidades. Compromissos familiares, então, nem se fala. Vive-se a
transitoriedade plena. A cada dia, o
conceito de continuidade é cada vez
mais esquecido.
É preciso questionar este mundo
transitório pelo qual somos empurrados. Enquanto a transitoriedade valoriza o presente e a circunstância, a
continuidade dá mais ênfase à ligação
das partes -jovem e idosa, masculina
e feminina-, de modo a constituir um
conjunto vivo, com objetivo comum
no qual a energia dos laços e afetos de
família é dada e partilhada.
As novas gerações vivem intensamente o presente como se não houvesse futuro e passado. Nossa sociedade desvaloriza o passado.
Numa sociedade dominada pela sedução do presente, os idosos estão
destinados a parecer gradualmente
menos importantes.
O domínio da tecnologia na sociedade atual faz com que sejamos levados a respeitar a opinião de um computador em detrimento da opinião de
uma pessoa. Os mais velhos são tratados como ultrapassados pelas famílias. Tornam-se, então, um estorvo
na dinâmica impessoal das relações
humanas.
O sucesso materialista de uma sociedade pode, certamente, transformar-se no palco para o seu eventual
fracasso. Pensar apenas no presente
faz do efêmero uma seita.
Na Antigüidade, os gregos já haviam chegado à conclusão de que, paradoxalmente, somos mais vulneráveis quando nos sentimos fortes. Na
atualidade, tudo o que não é imediato
e objetivo perde totalmente seu valor.
A ética do materialismo se infiltra
na vida das pessoas, de modo tal que
rompe o tecido de valores da sociedade. O egoísmo do atual modelo social
desintegra a família tradicional e os
laços de lealdade e amor que unem
seus membros.
Em qualquer época, os idosos são a
personificação biológica do tempo
passado. Na medida em que o passado
é desvalorizado, também os idosos serão desvalorizados e considerados socialmente descartáveis.
Dentro desse quadro, os mais velhos, sentindo-se ultrapassados, acabam perdendo o respeito por si próprios e, num gesto socialmente estimulado pela propaganda, passam a
imitar cada vez mais os jovens. A conseqüência disso é que a família terá
perdido um de seus bens mais valiosos, o sentimento de continuidade.
A velocidade dos acontecimentos
neste século 21 afasta qualquer ilusão
de renascer uma família tradicional.
É necessário criar novas tradições familiares. O amor e o respeito são as
únicas forças capazes de restituir a integridade de uma família e de uma
sociedade.
É preciso estar atento para o fato de
que transmitir princípios de conduta
de uma geração para a seguinte requer empenho e um esforço determinado. A mera reprodução física da raça humana não garante a sobrevivência dos ideais da sociedade.
USHITARO KAMIA, advogado, é vereador de São Paulo
(DEM) e ex-deputado federal.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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