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FERNANDO GABEIRA
A invasão dos bárbaros
NOSSA CITADELA está sitiada. Os caciques decidiram
pela resistência. Soldados
que os assessoram passam nervosos pelos corredores. O sinal dos
bárbaros não está apenas no horizonte. Há batalhões de microfones,
esquadrilhas de câmeras, ultrapassando nossa linha de defesa.
Os bárbaros chegam também pela infovia. Pedem uma solução japonesa, nosso suicídio, uma solução européia, nosso afastamento,
mas pedem sempre algo que não
podemos dar.
A grande batalha se avizinha.
Eles se agarram ao nosso pé como
matilhas. O primeiro passo é liquidar os quintas-colunas, os que nos
traem diante das câmeras. O que
querem, senão aparecer? Por que
não carbonizar, de vez, essas mariposas, na própria luz em que gravitam?
Escândalo, impunidade, impunidade, escândalo. Nada mais estável, permanente. Não conseguem
perceber a felicidade de um mundo
que não muda jamais? Não se assumiu em vão o nome de Gautama.
Antropofagicamente, adotamos o
budismo e invertemos sua lógica
de que tudo muda. Acreditem na
reencarnação e na imobilidade do
que existe.
Não usaremos armas de destruição em massa. Aqui e ali, algumas
pessoas deixam de ter suas casas
populares, submergem na escuridão, ressecam com a falta de água
em falsas adutoras. Qual o peso
desse sofrimento diante dos que tiveram seus nomes jogados às feras?
Conseguir que esqueçam é o bastante. Como diz o poeta, amanhã é
domingo, segunda-feira ninguém
sabe o que será. Há futebol, televisão, deviam se ligar nisso, deixar de
lado nossas vidas, bisbilhotadas em
minúcias, filmadas em seqüências
precisas, ouvidas nas mínimas interjeições.
Os bárbaros estão chegando. Não
queremos liquidar os bárbaros,
deixar milhares de corpos apodrecer no campo de batalha. É preciso
que retrocedam para os botequins,
esquinas, que apenas sussurrem o
fel, ao invés da reprodução maciça,
horror da modernidade.
Que pelo menos se lembrem, os
bárbaros, lendo nos prédios e logradouros, nossos nomes, o nome
de família, o nome do pai, amém.
Dessa citadela, velamos pelo Brasil,
com cheiro de café frio nas xícaras
e o ar condicionado reinjetando a
sujeira na atmosfera subterrânea.
Nem sempre os bárbaros invadem. Mas, no horizonte, os sinais
são de guerra. Que os pombos façam cocô em nossas estátuas, mas
os abutres passem ao largo. Resistiremos aos bárbaros e seu exército
de câmeras, microfones, cartas de
leitores, o diabo a quatro. Resistiremos, pelo menos sonhando em
ser uma peça de nostalgia, nesse
país que nos escapa.
assessoria@gabeira.com.br
FERNANDO GABEIRA escreve aos sábados nesta
coluna.
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