São Paulo, sábado, 02 de junho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A oferta de energia elétrica vai afetar o crescimento econômico brasileiro?

NÃO

A oferta (e o preço justo) da energia

MAURICIO TOLMASQUIM

EM 1999 e 2000, fui dos poucos a alertar para o alto risco de falta de energia no país, o que, afinal, se concretizou em forma do racionamento de 2001. Hoje, sinto-me muito à vontade para me contrapor ao "efeito manada" que atinge o conjunto de especialistas e comentaristas do setor energético e afirmar que o nível de risco de déficit para os próximos anos está dentro do nível aceitável.
Sofre-se atualmente no Brasil de uma espécie de "trauma pós-racionamento". Especialistas e empresários em uníssono vêem a falta de energia como uma questão inexorável -discordam apenas quanto à data em que essa fatalidade atingirá o país.
Em parte, é compreensível a apreensão dos menos informados.
Afinal, como diz o ditado popular, gato escaldado tem medo de água fria. Porém, a situação hoje é muito diferente da que existia em 2001. O Brasil tem, desde 2004, um novo modelo para o setor elétrico, que visou à redução dos riscos para os investidores e das tarifas para os consumidores. Os vencedores das licitações têm, agora, contratos de longo prazo, que constituem recebíveis aceitos pelo BNDES para a concessão de financiamentos.
Antes, as usinas eram concedidas para os investidores que aceitassem pagar o maior ágio pelo uso do bem público (UBP). Agora, os novos aproveitamentos hidrelétricos são concedidos aos investidores que aceitam construir e operar as plantas pela menor tarifa. Isso reduziu drasticamente o valor estratosférico do UBP que os investidores se viam obrigados a pagar -interessante para o Tesouro Nacional, mas perverso para o consumidor e para o investidor.
A exigência de licença ambiental prévia para um empreendimento ser colocado em licitação é outro fator que reduziu o risco para o investidor e deu um fim ao faz-de-conta de antes, quando o governo concedia usinas que simplesmente não tinham viabilidade ambiental, criando um conflito entre empreendedores e órgãos licenciadores. Outras usinas licitadas eram passíveis de ser viabilizadas, mas o ônus da obtenção das licenças era exclusivo dos empreendedores.
O setor elétrico está cada vez mais atrativo para os investidores. Entre 2003 e 2006, foram instalados, em média, 3.667 MW por ano de nova capacidade de geração no Brasil, o que é cerca de 40% superior à média entre 1995 e 2000, período que antecedeu o racionamento. Para o período de 2007 a 2010, já existem 11.078 MW com plenas condições de entrar em operação e uma quantidade maior será viabilizada com os dois leilões marcados para 18 e 26 próximos.
O aumento dos preços da energia elétrica é em geral apontado por grandes consumidores como um gargalo para o desenvolvimento. Mas preços artificialmente baixos significam um grande custo para todo o setor energético. Um bom exemplo é o segmento dos eletrointensivos. Por duas décadas, algumas dessas indústrias tiveram acesso a energia muito barata, com preços fortemente subsidiados.
Consumidores residenciais chegaram a pagar entre quatro e cinco vezes mais pela mesma energia. Em 1985, essas indústrias compravam energia por cerca de US$ 10/MWh e suas tarifas permaneceram, em grande parte do período, entre esse valor e US$ 25/MWh. A energia elétrica era vendida a tarifas muito inferiores ao custo da geração de usinas hidrelétricas, de cerca de US$ 60/MWh. Essa situação mudou em 2004, quando essas indústrias tiveram que negociar novos contratos de fornecimento.
Sem dúvida, seria ótimo se todos pudessem ter energia barata. No entanto, vale lembrar outro ditado: "não existe almoço grátis". A energia barata vendida no passado aos grandes consumidores pelas geradoras estatais levou, em boa medida, ao endividamento e à perda de capacidade de investimento dessas empresas.
A oferta de energia para os próximos anos é suficiente para atender ao crescimento econômico esperado, sendo igualmente necessário que ela se expanda de forma contínua. O novo modelo implantado em 2004 tem os mecanismos necessários para assegurar que isso ocorra.


MAURICIO TOLMASQUIM, 48, doutor em socioeconomia do desenvolvimento, é presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (2003-2005 ) e coordenou o grupo de trabalho que elaborou o novo modelo do setor elétrico.

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