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TENDÊNCIAS/DEBATES
A oferta de energia elétrica vai afetar o crescimento econômico brasileiro?
NÃO
A oferta (e o preço justo) da energia
MAURICIO TOLMASQUIM
EM 1999 e 2000, fui dos poucos a
alertar para o alto risco de falta
de energia no país, o que, afinal,
se concretizou em forma do racionamento de 2001. Hoje, sinto-me muito
à vontade para me contrapor ao "efeito manada" que atinge o conjunto de
especialistas e comentaristas do setor
energético e afirmar que o nível de
risco de déficit para os próximos anos
está dentro do nível aceitável.
Sofre-se atualmente no Brasil de
uma espécie de "trauma pós-racionamento". Especialistas e empresários
em uníssono vêem a falta de energia
como uma questão inexorável -discordam apenas quanto à data em que
essa fatalidade atingirá o país.
Em parte, é compreensível a
apreensão dos menos informados.
Afinal, como diz o ditado popular, gato escaldado tem medo de água fria.
Porém, a situação hoje é muito diferente da que existia em 2001. O Brasil
tem, desde 2004, um novo modelo
para o setor elétrico, que visou à redução dos riscos para os investidores e
das tarifas para os consumidores. Os
vencedores das licitações têm, agora,
contratos de longo prazo, que constituem recebíveis aceitos pelo BNDES
para a concessão de financiamentos.
Antes, as usinas eram concedidas
para os investidores que aceitassem
pagar o maior ágio pelo uso do bem
público (UBP). Agora, os novos aproveitamentos hidrelétricos são concedidos aos investidores que aceitam
construir e operar as plantas pela menor tarifa. Isso reduziu drasticamente o valor estratosférico do UBP que
os investidores se viam obrigados a
pagar -interessante para o Tesouro
Nacional, mas perverso para o consumidor e para o investidor.
A exigência de licença ambiental
prévia para um empreendimento ser
colocado em licitação é outro fator
que reduziu o risco para o investidor e
deu um fim ao faz-de-conta de antes,
quando o governo concedia usinas
que simplesmente não tinham viabilidade ambiental, criando um conflito
entre empreendedores e órgãos licenciadores. Outras usinas licitadas
eram passíveis de ser viabilizadas,
mas o ônus da obtenção das licenças
era exclusivo dos empreendedores.
O setor elétrico está cada vez mais
atrativo para os investidores. Entre
2003 e 2006, foram instalados, em
média, 3.667 MW por ano de nova capacidade de geração no Brasil, o que é
cerca de 40% superior à média entre
1995 e 2000, período que antecedeu o
racionamento. Para o período de
2007 a 2010, já existem 11.078 MW
com plenas condições de entrar em
operação e uma quantidade maior será viabilizada com os dois leilões marcados para 18 e 26 próximos.
O aumento dos preços da energia
elétrica é em geral apontado por grandes consumidores como um gargalo
para o desenvolvimento. Mas preços
artificialmente baixos significam um
grande custo para todo o setor energético. Um bom exemplo é o segmento dos eletrointensivos. Por duas décadas, algumas dessas indústrias tiveram acesso a energia muito barata,
com preços fortemente subsidiados.
Consumidores residenciais chegaram a pagar entre quatro e cinco vezes mais pela mesma energia. Em
1985, essas indústrias compravam
energia por cerca de US$ 10/MWh e
suas tarifas permaneceram, em grande parte do período, entre esse valor e
US$ 25/MWh. A energia elétrica era
vendida a tarifas muito inferiores ao
custo da geração de usinas hidrelétricas, de cerca de US$ 60/MWh. Essa
situação mudou em 2004, quando essas indústrias tiveram que negociar
novos contratos de fornecimento.
Sem dúvida, seria ótimo se todos
pudessem ter energia barata. No entanto, vale lembrar outro ditado: "não
existe almoço grátis". A energia barata vendida no passado aos grandes
consumidores pelas geradoras estatais levou, em boa medida, ao endividamento e à perda de capacidade de
investimento dessas empresas.
A oferta de energia para os próximos anos é suficiente para atender ao
crescimento econômico esperado,
sendo igualmente necessário que ela
se expanda de forma contínua. O novo modelo implantado em 2004 tem
os mecanismos necessários para assegurar que isso ocorra.
MAURICIO TOLMASQUIM, 48, doutor em socioeconomia
do desenvolvimento, é presidente da EPE (Empresa de
Pesquisa Energética). Foi secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia (2003-2005 ) e coordenou o grupo
de trabalho que elaborou o novo modelo do setor elétrico.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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