São Paulo, sexta-feira, 02 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Dispersão e unidade das esquerdas

MIGUEL ARRAES

A esquerda apoiou Lula nas eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998. Agora, não tem um candidato único no primeiro turno, mas estará novamente unida em torno de um candidato de oposição no segundo turno.
Para entendermos como chegamos a esse quadro, é preciso lembrar que, após o pleito de 1998, várias tentativas foram feitas para unificar as tendências de esquerda. A partir de 1999, PSB, PT, PDT, PC do B e PCB reuniram-se regularmente para constituir uma frente única. Infelizmente, essa proposta não se consolidou.
A unidade das forças de esquerda esbarra em fatores históricos. As divergências vêm de longa data e a dispersão das forças populares decorre especialmente das que se acumularam no período da ditadura. Depois da anistia e das normas baixadas pelo regime para reorganizar o quadro partidário, falharam as tentativas de unidade da esquerda. Surgiram partidos tentando representar forças existentes antes do golpe militar ou movimentos que emergiram no final da ditadura, como o liderado pelos sindicatos do ABC.
Como o poder militar não havia sido derrotado, restavam-lhe condições para influir, tanto quanto possível, não só na organização de suas forças, mas também nas que o combatiam. São conhecidos alguns episódios reveladores das ações da ditadura naquele momento. A organização dos comunistas, por exemplo, foi bloqueada e só liberada no governo do presidente José Sarney. A reorganização do PTB foi obstada por manobra judicial que descaracterizou a sigla, e os trabalhistas fundaram o PDT. O PT surgiu de uma base de sustentação sindical, com uma concepção parecida à do sindicato polonês Solidariedade, agregando-se ao nascente partido dissidências dos partidos comunistas.
Essa dispersão agravou-se agora, seja pela formação de uma Frente Trabalhista em torno de candidatura que se propõe a melhor administrar o caos a que Fernando Henrique Cardoso levou o país, seja pela mudança de rumos do PT, que tende a uma conciliação com a política econômica em vigor. A presença de aliados à direita em apoio a ambas as candidaturas tem sido rejeitada por ponderáveis correntes internas desses partidos.


A eliminação do papel do Estado na organização de nossa vida soma-se à subordinação da economia ao sistema financeiro


O posicionamento do PT torna secundária a questão nacional, a outra face da questão popular. Sem a afirmação da soberania e a reorganização do Estado brasileiro, de modo que se possa reestruturar o país, não há como fazer frente ao crescimento da miséria e às crescentes dificuldades das camadas médias.
Por isso, o PSB definiu alguns objetivos programáticos: a inserção do Brasil no mundo global não pode se dar em termos de submissão e dependência, mas pela afirmação de sua soberania; a realização de uma auditoria da dívida pública que esclareça sua legalidade e legitimidade e explique seu aumento fulminante, ajustando os pagamentos aos patamares que não afetem a sobrevivência de nosso povo, como está acontecendo; a revisão das privatizações, de modo que haja clareza quanto aos critérios adotados nas avaliações e nos financiamentos públicos ao capital privado para comprar empresas públicas; o restabelecimento da Federação, atingida pelo governo com emendas constitucionais e dispositivos legais, opostos às normas pétreas da Constituição, que inviabilizam os Estados e municípios; o fortalecimento do papel do Estado como agente para promover o desenvolvimento e reduzir as disparidades regionais e sociais.
A subserviência de Fernando Henrique Cardoso, como ministro no governo de Itamar Franco e como presidente da República, só encontra paralelo em governos do início da República Velha. A eliminação do papel do Estado na organização de nossa vida interna soma-se à subordinação da economia ao sistema financeiro, levando-nos a um endividamento que, para ser rolado, exige mais da metade das disponibilidades financeiras do país. Os próprios investidores constatam que tais recursos já não são suficientes, o que obriga o governo a mais uma vez recorrer ao FMI, o que agrava a situação.
A progressão dessa crise exige, há tempos, uma análise mais ampla da questão nacional, a ser feita em conjunto pelas forças democráticas e populares. Esse objetivo vai além dos interesses partidários e requer a participação de todos os brasileiros, pois diz respeito aos destinos de nossa comunidade. Se não for estancado o endividamento e se não for retomada a produção, com que recursos serão pagas as dívidas?
É preciso promover a unidade dos brasileiros. Não basta um ajuntamento de partidos e muito menos uma aliança eleitoral em torno de um programa baseado em mero reajuste da política econômica do atual governo. Esse caminho foi o da Argentina.
O lançamento de um candidato próprio pelo PSB resulta do crescimento do partido nos últimos anos e do desejo de seus filiados. Decorre também das circunstâncias descritas e da necessidade de contribuir para a definição de uma estratégia que possa nos levar à unidade e, sobretudo, a despertar o povo para que participe da luta.


Miguel Arraes de Alencar, 85, é presidente da Comissão Executiva Nacional do PSB. Foi governador de Pernambuco (63 a 64, 87 a 90 e 95 a 98), prefeito de Recife (60 a 62) e deputado federal pelo PSB-PE (91 a 94).



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