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Falácias sobre o "déficit" da Previdência
EDUARDO FAGNANI e JOSÉ CELSO CARDOSO JR.
Os setores conservadores não aceitaram as conquistas do movimento social em 88. Eis por que alardeiam que o suposto déficit é "explosivo"
A SEGURIDADE social, um dos
avanços da Constituição de
1988, compreende os setores
da Previdência (urbana e rural), saúde, assistência social e seguro-desemprego. Para financiá-la, foi instituído
o orçamento da seguridade social.
Ao fazê-lo, os constituintes não inventaram a roda. Seguiram o padrão
clássico baseado na contribuição tripartite (empregados, empregadores e
governo). Note-se que, num conjunto
de países europeus, a seguridade é financiada, em média, da seguinte forma: 38% pela contribuição dos empregadores; 22% pela contribuição
dos empregados; 36% pela contribuição do governo (impostos); e 4% por
outras fontes.
Desde 1934, o Brasil segue esse padrão. O orçamento da seguridade apenas o aperfeiçoou, vinculando constitucionalmente impostos e contribuições sociais. Portanto, quando o governo aporta recursos para a seguridade, não está cobrindo o "déficit",
mas fazendo o que é de sua responsabilidade, nos termos da Constituição.
Todavia, os setores conservadores
jamais aceitaram as conquistas do
movimento social em 1988 e, desde
então, para justificar a "urgente" necessidade de reformas visando enterrar inovações trazidas pela seguridade, alardeiam que o suposto déficit é
"explosivo" e levará o país à "catástrofe" fiscal. Ao fazê-lo, cometem pecado
capital: renegam a existência da
Constituição e os fundamentos do Estado democrático de Direito.
Na atual conjuntura, portanto, não
há nada de novo no "front" conservador. A instituição do Fórum Nacional
da Previdência Social tem apenas
proporcionado uma nova onda de revelações equivocadas e apocalípticas.
Um dos expoentes desse matiz,
porta-voz de setores conservadores
organizados da sociedade, é o sr. Fabio Giambiagi, que tem ocupado espaço de destaque na mídia para alardear o terror.
Agora, no jornal "Valor Econômico", promete combater "mitos ainda
enraizados no debate sobre o tema",
supostamente defendidos por "aqueles personagens que ficam defendendo a tese de que o homem não foi à
Lua e que tudo não passa de uma invenção, de tão surrealista que é a conversa" (sic) ("Valor Econômico", 4/7).
Um dos supostos "mitos" é o de que
"a Previdência não tem déficit". E assim conclui essa "argumentação":
"Saber se a receita do imposto X deve
ser do INSS ou do Tesouro não tem
importância nenhuma para efeito do
que estamos tratando. O problema é
real, não contábil!". Ora, ao contrário,
essa questão é de importância capital.
Em primeiro lugar, trata-se de
cumprir a Constituição, especialmente os artigos 165, 194, 195 e 239, que
versam sobre a seguridade social e o
orçamento da seguridade social.
Em segundo lugar, é justamente esse conceito de déficit que precisa ser
melhor debatido (e rebatido) dentro
da lógica fiscalista.
O autor sempre lança mão desse raciocínio meramente contábil, para
apresentar o que lhe parece ser o fim
do mundo e dos tempos. Ora, por que
será que ele não fala em déficit do SUS
ou da educação? Ou déficit das Forças
Armadas ou do projeto espacial brasileiro? Ou déficit do Pan no Brasil?
Simplesmente porque, nesses casos, ele não identifica nenhum descompasso entre estrutura de financiamento e estrutura de despesas.
Já no caso da Previdência, que, para
ele, deveria ser algo totalmente autofinanciável pelos próprios segurados,
ele vê um descasamento contábil entre arrecadação estrita ao INSS e o
conjunto das despesas previdenciárias, incluindo a Previdência rural, o
BPC/Loas e os regimes próprios do
setor público.
Há dois problemas nítidos nessa argumentação: 1) aplica o raciocínio da
capitalização atuarial individual a um
modelo que é na verdade de repartição simples; e 2) compara alhos com
bugalhos.
Assim, em suma, "surrealista" é o
debate proposto por Giambiagi.
Em última instância, o que sempre
esteve por detrás da reforma da seguridade é a disputa por recursos públicos. A Previdência é o segundo maior
item de gasto corrente. Daí a fome do
mercado pela reforma e captura desses recursos.
As perguntas que na verdade precisariam ser respondidas neste debate
são: Que tipo de sistema de proteção
social é o mais adequado a um país
com as heterogeneidades e desigualdades do Brasil? Qual a estrutura de
benefícios desse sistema, quais os critérios de acesso e como se financiará?
Infelizmente, é improvável que respostas para essas questões venham da
mágica série de artigos prometidos
por nosso especialista.
EDUARDO FAGNANI, 51, economista, é professor doutor
do Instituto de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho).
JOSÉ CELSO CARDOSO JR., 38, economista, doutorando
pelo Instituto de Economia da Unicamp, é técnico de pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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