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Falta de decoro
Não é apenas no caso de Renan Calheiros que o fenômeno se verifica; na vida pública, a desfaçatez se torna epidemia
NOVAS ARTIMANHAS ,
trunfos e improvisos
estendem a permanência do presidente
do Senado num cargo que já não
possui condições políticas de
ocupar. Enquanto o espetáculo
se prolonga, surgem demonstrações de que a falta de decoro, longe de resumir-se ao peculiar "imbroglio" pecuário-sentimental
do senador Renan Calheiros,
atinge proporções de epidemia
na vida pública brasileira.
Na última reunião do Conselho de Ética, foi aos gritos de
"Calma, boneca!" que o senador
Tasso Jereissati (PSDB-CE),
agindo supostamente em nome
do "decoro parlamentar", atacou
seu colega Almeida Lima
(PMDB-SE), autor de relatório
favorável a Calheiros. Por pouco
não se atracaram, para desespero de uma funcionária graduada
da Casa, das poucas pessoas ali a
se manter ciosa das aparências.
Acenava ao cinegrafista para que
interrompesse a transmissão de
tais cenas pela TV.
Não há o mesmo cuidado, como se sabe, nos círculos mais
graduados do Partido dos Trabalhadores. Ao deputado João Paulo Cunha, réu no processo do
mensalão, ofereceu-se triunfal
jantar de desagravo, onde fatias
de pizza e ataques à imprensa foram, previsivelmente, servidos
como "plats de résistance".
Pizza é pouco para qualificar o
que se preparou para o 3º Congresso Nacional do PT, em curso
neste fim de semana. O evento,
que tem tudo para não ser histórico, marca-se pela mais obstinada recusa em admitir a crise do
mensalão. "Não há no PT mais
ético ou menos ético", declarou o
presidente do diretório de Brasília, Chico Vigilante, que sem querer foi verdadeiro, apesar do nome, no que tange ao espírito do
evento. "Se um afunda, afunda
todo mundo junto", secundou
outro militante.
Cortemos a cena, que a falta de
decoro tem limites. Não caberia
qualificar nos mesmos termos,
mas certamente impõe ressalvas, o comportamento de alguns
membros do STF, flagrados em
conversas incompatíveis com a
discrição necessária a seu cargo.
Quando o ministro Ricardo
Lewandowski ventila ao celular,
em área pública, os bastidores do
julgamento do mensalão; quando se pode intuir algum preconceito racial nos comentários eletrônicos da ministra Cármen Lúcia sobre o relator do processo;
quando o ministro Eros Grau,
agastado com as suspeitas de que
foi alvo, cogita em processar Lewandowski, é a instituição como
um todo que tem a imagem maculada em meio aos aplausos
que, por sua independência, merecidamente conquistou.
Seria inadequado invocar o direito à privacidade em casos como estes; são atitudes de reserva
e austeridade que, diante de uma
inédita exposição ao escrutínio
público, aos membros do Judiciário cumpre intensificar. Bem
mais seria de exigir aos representantes do Legislativo e do Executivo: mas se deles já parece excessivo esperar decoro, que então se pautem por alguma moderação na desfaçatez.
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