São Paulo, domingo, 02 de setembro de 2007

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Falta de decoro

Não é apenas no caso de Renan Calheiros que o fenômeno se verifica; na vida pública, a desfaçatez se torna epidemia

NOVAS ARTIMANHAS , trunfos e improvisos estendem a permanência do presidente do Senado num cargo que já não possui condições políticas de ocupar. Enquanto o espetáculo se prolonga, surgem demonstrações de que a falta de decoro, longe de resumir-se ao peculiar "imbroglio" pecuário-sentimental do senador Renan Calheiros, atinge proporções de epidemia na vida pública brasileira.
Na última reunião do Conselho de Ética, foi aos gritos de "Calma, boneca!" que o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), agindo supostamente em nome do "decoro parlamentar", atacou seu colega Almeida Lima (PMDB-SE), autor de relatório favorável a Calheiros. Por pouco não se atracaram, para desespero de uma funcionária graduada da Casa, das poucas pessoas ali a se manter ciosa das aparências. Acenava ao cinegrafista para que interrompesse a transmissão de tais cenas pela TV.
Não há o mesmo cuidado, como se sabe, nos círculos mais graduados do Partido dos Trabalhadores. Ao deputado João Paulo Cunha, réu no processo do mensalão, ofereceu-se triunfal jantar de desagravo, onde fatias de pizza e ataques à imprensa foram, previsivelmente, servidos como "plats de résistance".
Pizza é pouco para qualificar o que se preparou para o 3º Congresso Nacional do PT, em curso neste fim de semana. O evento, que tem tudo para não ser histórico, marca-se pela mais obstinada recusa em admitir a crise do mensalão. "Não há no PT mais ético ou menos ético", declarou o presidente do diretório de Brasília, Chico Vigilante, que sem querer foi verdadeiro, apesar do nome, no que tange ao espírito do evento. "Se um afunda, afunda todo mundo junto", secundou outro militante.
Cortemos a cena, que a falta de decoro tem limites. Não caberia qualificar nos mesmos termos, mas certamente impõe ressalvas, o comportamento de alguns membros do STF, flagrados em conversas incompatíveis com a discrição necessária a seu cargo.
Quando o ministro Ricardo Lewandowski ventila ao celular, em área pública, os bastidores do julgamento do mensalão; quando se pode intuir algum preconceito racial nos comentários eletrônicos da ministra Cármen Lúcia sobre o relator do processo; quando o ministro Eros Grau, agastado com as suspeitas de que foi alvo, cogita em processar Lewandowski, é a instituição como um todo que tem a imagem maculada em meio aos aplausos que, por sua independência, merecidamente conquistou.
Seria inadequado invocar o direito à privacidade em casos como estes; são atitudes de reserva e austeridade que, diante de uma inédita exposição ao escrutínio público, aos membros do Judiciário cumpre intensificar. Bem mais seria de exigir aos representantes do Legislativo e do Executivo: mas se deles já parece excessivo esperar decoro, que então se pautem por alguma moderação na desfaçatez.


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