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JOSÉ SARNEY
Um cartão
ouro
NINGUÉM tem a verdadeira
noção da importância de
possuir um cartão de crédito. Ainda mais se for Ouro. É que
pessoa nenhuma se dá ao luxo de
ler a documentação que o acompanha. Em primeiro lugar, você é distinguido com uma carta personalizada do presidente de um dos
maiores bancos do Brasil e às vezes
do mundo. Ele diz que está muito
feliz por ter sido escolhido por você
e lhe agradece com uma dádiva extraordinária: "Para comemorar a
sua escolha, você acaba de receber
o nosso cartão, que permite comprar em quase todas as lojas do
mundo". Para concluir, manda-lhe
mensagem carinhosa: "Parabéns.
Poucos podem ter este cartão, especial como você."
Você descobre que pode comprar a prazo "desde que a loja" concorde, pode distribuir na família
vários cartões, cada um podendo
gastar o que quiser. Dinheiro é o
que não faltará, basta que você o tenha, porque senão, ultrapassado o
limite, você tem que pagar multas,
juros e até pode ter cancelada a sua
grande importância de ser Ouro.
O folder lhe diz que você agora,
para sua "felicidade, passa a ter um
grande companheiro de viagem",
que assegura a você e a seu cônjuge
e filhos menores de 23 anos a cobertura de um seguro contra "lesões corporais acidentais" no valor
de US$ 250 mil, desde que tenha a
"felicidade" de que seja "a única
causa de falecimento ou desmembramento". Basta que sua passagem tenha sido comprada pelo seu
cartão Ouro.
E detalha os outros benefícios de
que você pode desfrutar e que serão pagos no prazo de 365 dias!
Basta que você morra pelas lesões.
Mas: "Se você perder ambas as
mãos ou ambos os pés, ou a visão de
ambos os olhos ou voz e audição,
ou um pé e uma mão, ou um pé ou
uma mão e a visão de um dos olhos,
terá a felicidade de receber do companheiro de viagem US$ 250 mil.
Se você perder só uma mão, um pé
ou a audição, recebe US$ 125 mil."
Se quiser ganhar algum dinheirinho, vá a um país radical, ponha o
polegar onde não deve e ele será
cortado, e o cartão paga US$ 62,5
mil pelo dedo.
Se você passar por uma guerra,
ou um terrorista ou soldado lhe pegar, você chega de volta morto e liso. Mas o cartão oferece ajuda para
devolver seu corpo ao país, desde, é
claro, que você pague.
Realmente, nada mais importante do que o seu cartão de crédito.
Otto Lara Resende, que era, como
eu, muito amigo do Magalhães Pinto, brincando com ele, que lhe autorizava alguns papagaios no Banco Nacional, dizia: "Magalhães, você é meu amigo a 4% ao mês". Pois
o nosso cartão companheiro de
viagem é o máximo: nosso amigo a
14% ao mês. É como se desabafa no
Nordeste: amigo assim, só na Baixa
da Égua!
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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