São Paulo, sexta-feira, 02 de outubro de 2009 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Movimento estudantil pede ética
TALITA NASCIMENTO e MARCO ANTÔNIO MOREIRA DA COSTA
QUANDO O leitor da Folha abriu o jornal no último dia 20 de agosto, dificilmente se surpreendeu ao constatar que todas as denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), haviam sido arquivadas. Afinal, o arquivamento era tão provável que os jornais, um dia antes, já o tomavam como praticamente certo. Era possível, inclusive, visualizar claramente as articulações partidárias, sempre tão comprometidas com a governabilidade (e raramente com a justiça). A previsibilidade desse resultado, contudo, não o torna menos grave. Pelo contrário, é um sintoma muito claro de um sistema em que a impunidade é regra quase absoluta. A corrupção e a impunidade não são novidades no Brasil, estando sempre presentes ao longo de sua história. Ainda assim, era de esperar que a conquista de um regime democrático trouxesse consigo alguma melhora com relação a esses dois quesitos. E isso, de certo modo, aconteceu. Por um lado, a imprensa passou a exercer com mais liberdade o seu papel de fiscalizadora do poder público. Por outro, criaram-se meios institucionais de controle do Estado. Isso contribuiu para que viessem à luz quase que semanalmente esquemas de corrupção. Essa enxurrada de denúncias e acusações -suficientes para a criação de um verdadeiro museu da corrupção- acabou por desgastar o brasileiro e provocar nele a indiferença com relação aos sucessivos escândalos. Assim, quando o cidadão abre o jornal e encontra mais um esquema de corrupção desmascarado, ele cada vez menos se indigna e cada vez mais se conforma. Lentamente, portanto, constrói-se na sociedade civil uma inércia natural, uma resignação quase que absoluta. É essa resignação que permite aos nobres parlamentares se lixarem para a opinião pública, uma vez que, por mais que a imprensa denuncie, há sempre a certeza da impunidade, há sempre a certeza da reeleição. Às manchetes acusadoras dos jornais os brasileiros raramente respondem com mais que um suspiro e, em sua interminável lamúria, não veem que o suspiro que exalam é mais que uma resignação com a impunidade -é a própria causa da impunidade. Daí a necessidade, urgente e fundamental para o aprofundamento da experiência democrática no Brasil e na luta contra a corrupção, de romper com a indiferença e a inércia da sociedade brasileira. São vários os meios para fazê-lo. A longo prazo, o caminho inevitável é a educação, ou seja, a construção, dentro e fora da escola, de uma cultura de intolerância para com a corrupção e a imoralidade na política. A médio prazo, pode-se pensar no aprimoramento dos meios de fiscalização do poder público por parte da sociedade civil, de modo a provar ao cidadão que ele pode, sim, influenciar os rumos do Estado. E, por fim, a curto prazo, torna-se urgente a mobilização da sociedade civil contra a impunidade e a corrupção, e nada mais natural que essa mobilização se dê em torno de um símbolo daquilo que o Brasil não mais quer em sua política. É nesse último sentido que surgiu o movimento "Fora Sarney!". Organizado pela internet, o movimento, apartidário, realizou passeatas em todo o território nacional. Porém, ainda que apoiada pela maior parte da população, a mobilização não recebeu a adesão participativa que merecia, exemplo claro da referida inércia. Recentemente, contudo, grupos estudantis de São Paulo resolveram aderir ao movimento, tentando agregar a ele o peso de seu histórico centenário de lutas. Trazem consigo a seriedade de um novo movimento estudantil sério e político, mas sempre apartidário, e vêm ressaltar a importância da mobilização imediata da sociedade civil. Em visita recente à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), o senado Pedro Simon (PMDB-RS) afirmou que não se pode esperar do Senado a mudança, pois esta só se dará "de fora para dentro", ou seja, da sociedade civil para o Senado Federal. Um primeiro passo para essa mudança talvez se dê amanhã, quando, às 14 horas, o "Fora Sarney!", com os cidadãos que ainda não se resignaram, marcharão pela avenida Paulista, em São Paulo. Não é fácil romper com a inércia da sociedade, não é fácil não se conformar com a corrupção, mas, como canta Chico Buarque, "a gente vai contra a corrente, até não poder resistir". Só que, na volta do barco, não queremos ter deixado nada a cumprir. TALITA NASCIMENTO , 22, é presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade representativa dos alunos da Faculdade de Direito da USP. MARCO ANTÔNIO MOREIRA DA COSTA , 21, é presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto, entidade representativa dos alunos da Faculdade de Direito da PUC-SP. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Ángeles González-Sinde Reig: O tempo da cultura Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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