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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

O tenor e o barítono

RIO DE JANEIRO - Tal como a obra de arte, uma boa piada é também uma obra em progresso, "work at progress". A piada que vou contar não chega a ser boa, mas, estando em processo, pode ser adaptada ao desabafo que Lula fez, na semana passada, classificando seus antecessores de covardes.
Num teatro lírico, o barítono fez a sua parte e foi vaiado com fúria pela platéia. Não se afobou. Quando as vaias e os tomates que lhe foram jogados acabaram, ele fez a ameaça: "Vocês ainda não viram nada. Esperem pelo tenor!".
A piada -que, como disse, não é lá essas coisas-, uma vez em progresso (ou processo), faria o tenor se referir ao barítono retroativamente: "Sou péssimo, mas o barítono foi pior".
É muito cedo para Lula dar uma esnobada dessa em seus antecessores. Uns pelos outros, foram até razoáveis, ficando a critério de cada geração escolher os piores e eleger os melhores. De qualquer forma, se os presidentes pré-Lula não foram integralmente corajosos, o atual tampouco tem revelado uma coragem excepcional. Pelo contrário.
Preocupado com a elegibilidade, ele esqueceu seu passado de lutas e promessas, aliando-se às mesmas correntes políticas que sustentaram o governo passado. Eleito limpamente, de forma insofismável, passou a preocupar-se com a governabilidade e, para governar, teve de aceitar as prioridades de seus antecessores, sobretudo a que coloca o nosso desenvolvimento na dependência do capital internacional monitorado pelo FMI.
Pode parecer ingenuidade colocar a questão em termos aparentemente tão simplórios, mas, enquanto um governo de país emergente, como o Brasil, não colocar a prioridade máxima no crescimento, o tal espetáculo que Lula continua a prometer não passará da troca de um barítono horrível por um tenor horripilante.



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