São Paulo, terça-feira, 03 de fevereiro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O santo do dia

RIO DE JANEIRO - Onze anos podem não ser muita coisa, mas, para um agnóstico como eu, cultuar durante 11 anos o protetor das nossas gargantas representa mais do que um esforço, uma predestinação.
Pois hoje, senhores incréus como eu, é dia dedicado a são Brás, epíscopo e mártir, cujos feitos em vida ignoro, mas cuja bênção nos livra de sufocações, desde o simples pigarro tabagista até o câncer letal.
Há 11 anos venho lembrando este santo, que não chega a ser popular como santo Antônio, são Jorge ou são João, nem sofisticado como santo Agostinho, mas é de comprovada eficácia "a malo gutteris" (males da garganta), como diz a oração que o invoca neste abençoado dia.
Já reclamaram que eu insisto em lembrar os ossos de Dana de Teffé. E nada demais que lembre também esse santo que nos livra de ossos inconvenientes entalados em nossas goelas.
Parece que hoje, devido à eficiência de são Brás, há menos sufocações, menos tosses e pigarros. Na minha infância, era comum o sujeito se levantar da mesa, apoplético, com a mão no pescoço, olhos esbugalhados, vendo a vida por um fio.
Vinha então um samaritano de circunstância, dava uma porrada nas costas do sufocado e invocava o santo. O efeito era fulminante, ou por causa do santo ou da porrada.
Havia remédios da medicina oficial e alternativa para os males da garganta, xaropes miraculosos, pastilhas salvadoras, em casos mais complicados, cirurgias igualmente complicadas. Mas o remédio à mão, mais barato, de comprovada ação instantânea, era o epíscopo e mártir que viveu no ano 300 e qualquer coisa, não tenho certeza.
O único problema da santificada terapia era o efeito colateral provocado pela porrada. Na rua em que eu morava, havia um espanhol que tinha o apelido de Arranca. Sua especialidade era invocar o santo, dando um soco de baixo para cima nas costas do infeliz. Um tal de Sacadura, vizinho nosso, atrapalhou-se com um osso de galinha. Não morreu sufocado, mas ficou corcunda.


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