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CARLOS HEITOR CONY
O santo do dia
RIO DE JANEIRO - Onze anos podem não ser muita coisa, mas, para um
agnóstico como eu, cultuar durante
11 anos o protetor das nossas gargantas representa mais do que um esforço, uma predestinação.
Pois hoje, senhores incréus como eu,
é dia dedicado a são Brás, epíscopo e
mártir, cujos feitos em vida ignoro,
mas cuja bênção nos livra de sufocações, desde o simples pigarro tabagista até o câncer letal.
Há 11 anos venho lembrando este
santo, que não chega a ser popular
como santo Antônio, são Jorge ou são
João, nem sofisticado como santo
Agostinho, mas é de comprovada eficácia "a malo gutteris" (males da
garganta), como diz a oração que o
invoca neste abençoado dia.
Já reclamaram que eu insisto em
lembrar os ossos de Dana de Teffé. E
nada demais que lembre também esse santo que nos livra de ossos inconvenientes entalados em nossas goelas.
Parece que hoje, devido à eficiência
de são Brás, há menos sufocações,
menos tosses e pigarros. Na minha
infância, era comum o sujeito se levantar da mesa, apoplético, com a
mão no pescoço, olhos esbugalhados,
vendo a vida por um fio.
Vinha então um samaritano de circunstância, dava uma porrada nas
costas do sufocado e invocava o santo. O efeito era fulminante, ou por
causa do santo ou da porrada.
Havia remédios da medicina oficial
e alternativa para os males da garganta, xaropes miraculosos, pastilhas
salvadoras, em casos mais complicados, cirurgias igualmente complicadas. Mas o remédio à mão, mais barato, de comprovada ação instantânea, era o epíscopo e mártir que viveu
no ano 300 e qualquer coisa, não tenho certeza.
O único problema da santificada
terapia era o efeito colateral provocado pela porrada. Na rua em que eu
morava, havia um espanhol que tinha o apelido de Arranca. Sua especialidade era invocar o santo, dando
um soco de baixo para cima nas costas do infeliz. Um tal de Sacadura, vizinho nosso, atrapalhou-se com um
osso de galinha. Não morreu sufocado, mas ficou corcunda.
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