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Uma Federação sem GPS
CELSO GIGLIO
Vivemos uma situação perversa, uma espécie de premiação às avessas: os municípios, que fazem mais, são punidos
O PRESIDENTE Lula lançou, recentemente, o PAC (Programa
de Aceleração do Crescimento). A iniciativa, apesar de seu caráter
grandiloqüente e teatral, foi criticada
porque o governo federal elaborou
um projeto detalhadíssimo -o plano
prevê até a criação de mais 700 vagas
para automóveis no estacionamento
do aeroporto de Confins (MG)- sem
ouvir o Poder Legislativo, os governadores e, muito menos, os prefeitos.
Além disso, o PAC não aborda aspectos essenciais. Não fala do aumento da carga tributária ou da necessidade de reformar a Previdência. Nenhuma palavra sobre a necessidade de
brecar o aumento do Estado. Enquanto o mundo todo se esforça para
criar condições para que a iniciativa
privada viceje, o Brasil vai aumentando o número de funcionários públicos
e criando estatais.
Não demorou muito, começaram
os movimentos. Os governadores, que
parecem ser o segmento mais unido e
organizado, saíram em campo com
suas reivindicações. Falam em uma
"agenda federativa". Se, em vez de
"agenda federativa", falassem em "aumento de recursos dos Estados", o título também não estaria muito distante da realidade.
Os chefes dos Executivos estaduais
não estão errados: têm dificuldades
financeiras, tarefas a cumprir e querem recursos. Os governadores reivindicam: 30% da arrecadação da
CPMF, a desvinculação de 20% das
receitas estaduais (o que dá liberdade
para investir), uma ampliação na partilha da Cide e um repasse maior de
recursos para a educação.
Interessante e peculiar essa "agenda federativa", que deixa de fora,
"apenas", os mais de 5.500 municípios brasileiros. Para não ser injusto,
lá pelas tantas, os governadores falam
em dar 10% da arrecadação da CPMF
para os municípios. Se a divisão fosse
equânime, daria R$ 18 por cada habitante dos municípios/ano. Não dá para pagar a passagem de ônibus para
um idoso por 15 dias!
No Brasil, parece acontecer o seguinte raciocínio: os três entes da Federação são dois, União e Estados.
Os
municípios, apesar das sucessivas
marchas dos prefeitos à Brasília, que
são muito interessantes para os noticiários noturnos das TVs, normalmente ficam de fora das grandes discussões nacionais.
Essa falta de consideração não faz
jus ao trabalho das prefeituras. Hoje,
os municípios são responsáveis por
uma série interminável de atribuições em áreas-chave da administração pública. Duas citações bastariam:
educação e saúde.
Além disso, as prefeituras cuidam
da segurança, da habitação, dos transportes, da limpeza, do saneamento e
por aí vai. Para completar o quadro,
ainda cumprem tarefas de competência exclusiva da União e dos Estados.
Dados do Ibam (Instituto Brasileiro
de Administração Municipal) indicam que os municípios gastam algo
em torno de R$ 5 bilhões por ano para
prestar serviços dessa "transferência
informal".
Apesar do PAC e de todo o "oba-oba", o PIB do Brasil tem um crescimento pífio, destoando, e muito, da
média mundial. Os investimentos públicos federais caíram no mandato do
presidente Lula, chegando a apenas
0,7% do PIB. O que se vê, em vista disso, são estradas esburacadas, energia
necessitando de investimentos e o insuportável caos aéreo.
O mundo está indo para um lado, e
o Brasil, para outro. A experiência internacional dos países desenvolvidos
ensina que o ideal é um Estado pequeno e descentralizado, com população
instruída. Aqui, ele cresce e é cada vez
mais centralizado.
Nos últimos seis anos, a soma dos
tributos que a sociedade paga cresceu
6,94 pontos percentuais. Desse total,
5,06 foram para a União, 1,46 foram
para os Estados e apenas 0,42 ficaram
com os municípios. No que diz respeito à educação, o Brasil tem conseguido tristes recordes negativos nos rankings internacionais.
Falta GPS à nossa Federação. Vivemos uma situação perversa, uma espécie de premiação às avessas: os municípios, que fazem mais, são punidos.
Seria uma excelente providência iniciarmos esse novo mandato menos
preocupados com as vagas do aeroporto de Confins e mais empenhados
em discutir um novo pacto federativo
que aumente a eficiência do nossa administração pública.
CELSO GIGLIO, médico, 62, é deputado estadual (SP) pelo
PSDB. Foi prefeito de Osasco por dois mandatos, deputado federal e presidente da Associação Paulista de Municípios (1997-2006).
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