São Paulo, segunda-feira, 03 de junho de 2002

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As víboras e os sepulcros caiados

FRANCESCO SCAVOLINI


Os católicos, mais do que os outros cidadãos, não podem permitir que a corrupção e a impunidade se tornem generalizadas
Em carta publicada na Folha ("Painel do leitor", 19/4), dom Angélico Sândalo Bernardino, membro da Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB, fez algumas afirmações que talvez mereçam ser esclarecidas.
Se de um lado é verdade, como afirma dom Angélico, que a mensagem do papa João Paulo 2º ao episcopado brasileiro por ocasião da recente Assembléia da CNBB é totalmente o contrário de um convite para que os bispos brasileiros preguem uma fé alienada, também é verdade, de outro lado, que a mensagem contém precisos e fortes apelos ao diálogo e à comunhão com a Santa Sé.
Vale a pena transcrever alguns tópicos da referida mensagem papal enviada aos bispos da CNBB. Afirma textualmente o papa: "Reitero aqui que, dado que a doutrina da fé é um bem comum de toda a igreja e vínculo da sua comunhão, os bispos reunidos na conferência episcopal procuram, sobretudo, acompanhar o magistério da igreja universal, fazendo-o oportunamente chegar até o povo que lhes está confiado. São estes meus votos de esperança, na continuidade daquele processo iniciado por valentes missionários e evangelizadores, nestes cinco séculos da história da igreja no Brasil, Terra de Santa Cruz".
Essas palavras do papa mostram a preocupação do santo padre para com a muito amada igreja no Brasil e para com o querido povo brasileiro. E, por falar em preocupação com o povo, vamos ver se realmente alguns dos atuais líderes da CNBB seguem concretamente e não só verbalmente as diretrizes do vigário de Cristo. No último 23 de abril, o papa, ao condenar claramente a pedofilia, disse textualmente: "Não existe, no sacerdócio e na vida religiosa, lugar para aqueles que prejudicariam os jovens". Disse ainda o papa que "o abuso que provocou essa crise é um erro, sob todo e qualquer ponto de vista, e é justamente considerado um crime pela sociedade".
Dom Angélico, porém, ao comentar essas afirmações do papa, disse: "Um pai não entrega um filho à polícia". Este comentário é inaceitável; crime é crime e os católicos, assim como qualquer outro cidadão, têm o dever jurídico e moral de responder diante da Justiça pelos seus crimes. Os católicos, mais do que os outros cidadãos, não podem permitir que a corrupção e a impunidade se tornem generalizadas, colocando em grave perigo a própria democracia.
Uma outra questão que merece atenção na atual realidade brasileira é a das invasões de terras. Enquanto dom Tomás Balduino, presidente da Comissão Pastoral da Terra da CNBB, defende as invasões, o papa, num discurso em que defende uma urgente e justa reforma agrária, afirma que "nem a justiça nem o bem comum consentem danificar alguém nem invadir sua propriedade sob nenhum pretexto".
Falando nisso, não se pode esquecer que o PT justificou as invasões como forma de pressionar o governo. Pode ser inacreditável, mas esse partido é o principal objeto do desejo de alguns dos líderes da CNBB. A prova? Uma entrevista coletiva na CNBB, durante a qual dom Marcelo Carvalheira, vice-presidente da conferência, juntamente com o secretário-geral da entidade, dom Raymundo Damasceno, e com o secretário-executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Francisco Whitaker, afirmaram estar muito preocupados com a possível aliança entre o PT e o PL, partido em que é forte a presença da Igreja Universal do Reino de Deus.
Segundo os entrevistados, essa aliança representaria um perigo, porque colocaria em risco os grandes valores e porque a Universal poderia exigir um ministério, num eventual governo. Bem, quanto aos grandes valores, quem sabe se o líder da Universal e deputado pelo PL Rodrigues (o qual afirma publicamente que todos os candidatos da Universal devem ser contra o aborto e contra o casamento homossexual) não consiga convencer o PT de que o aborto e o casamento homossexual são ações gravemente imorais e perigosas para a vida da sociedade, assim como o uso da droga, que o PT pretende descriminalizar.
Quanto a eventual exigência por parte da Universal de concorrer a um ministério, talvez dom Carvalheira deva, primeiramente, observar que no Estado do Paraná há um padre que é candidato a governador pelo PT. Dom Carvalheira não pode ignorar o que o Código de Direito Canônico prescreve: excepcionalmente, o bispo poderá autorizar um padre a participar de sindicatos ou partidos políticos, mas não pode autorizá-lo a assumir um cargo público que implique a participação no poder civil.
Às vezes é possível e necessário, como lembra dom Angélico, na citada carta, chamar a classe dirigente de "víboras" e de "sepulcros caiados", quando essa classe dirigente explora o povo. Contudo é bom lembrar que Jesus usou tais palavras especialmente para alguns doutores da lei e fariseus hipócritas, aos quais também disse: "Ai de vós, porque fechais aos homens o reino dos céus. Vós mesmos não entrais nem deixais que entrem os que querem entrar".


Francesco Scavolini, 46, doutor em jurisprudência pela Universidade de Urbino (Itália), é presidente do Comitê Antonio Di Pietro e membro do Comites (Comitê dos Italianos no Exterior) de São Paulo.
E-mail: f.scavo@terra.com.br



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