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TENDÊNCIAS/DEBATES
O espetáculo em torno do caso Suzane von Richthofen é prejudicial ao julgamento?
SIM
A comercialização de um julgamento
ALBERTO SILVA FRANCO
NA CONTEMPORANEIDADE , os
ideais democráticos e republicanos têm sua base material
no pluralismo e na conversação das
diferenças. Importa, então, haver
uma imprensa livre que possa não só
informar mas também, e principalmente, servir de palco para debates,
opiniões e críticas, sobretudo para tematizar a atividade do Estado e seus
agentes.
Por vocação histórica totalitária, o
sistema de Justiça brasileiro sempre
buscou ser opaco ao olhar público,
pervertendo, na sombra da subserviência, sua própria origem e legitimação. Porém, na medida em que
nossa sociedade esboça democratizar-se, é gradativamente sentida a
importância da atividade judiciária e
de seu questionamento.
Juízes, tribunais, seus procedimentos e os próprios julgamentos iluminam-se e são, aos poucos, trazidos para as praças públicas -aliás, seus
mais verdadeiros e apropriados espaços. O eixo da própria idéia de um
processo judicial é sua natureza publicística, ou seja, o de uma obra
transparente, realizada aos olhos de
todos e que não tem nada a esconder.
Contudo, liberdades públicas nada
mais são que liberdades. Traduzem-se, portanto, na capacidade de um povo e de suas instituições para o exercício da autonomia, ou seja, para legislar, impor e prosseguir segundo suas
próprias normas. Não, no entanto,
para continuar na ausência completa
delas.
Já há muito, os direitos -de uma
única pessoa ou de todo um povo-
perderam aquele sentido patrimonialista que os marcava nas unívocas urgências revolucionárias da burguesia
do século 18, quando eram compreendidos como autênticas possessões
territoriais de um patriarcado, com a
demarcação de seus domínios exclusivos e absolutos.
Em tempos como os de agora, muito mais complexos, os direitos apenas
têm algum sentido legítimo quando
se exercitam com responsabilidade e
respeito ao outro e às suas tragédias,
vitalizando-se na medida e no fôlego
desse mesmo compromisso.
As liberdades públicas, especialmente os direitos de informação e
opinião, como todos os direitos, já
não constituem domínios ilimitados
e irresponsáveis de seus titulares. Estes já não os titularizam senão precariamente, eis que, em um mundo de
tantos excluídos, ter esse ou aquele
direito é estar comprometido com
seu exercício responsável, política e
socialmente construtivo.
O direito de ter acesso à informação, que assiste à sociedade, e o direito de prestá-la, que se concede precariamente às empresas de comunicação, não podem hoje estar situados
além dessas premissas.
O primeiro e mais verdadeiro réu
de um julgamento é o próprio julgamento. Julgar um crime não é permitir igualar-se a ele, mas, sim, advertir-se com ele. Não julgamos pessoas e
suas almas, mas, simplesmente, os fatos e a medida da razoável censura.
Não se trata de inaugurar espetáculos
emotivos e invasivos, com exposições
televisivas intensamente dramáticas
em redes nacionais de comunicação
que se movimentam por sentidos
concorrenciais e propagandísticos.
Não temos o direito de transformar
escuras tragédias humanas em mercadorias comerciais e vendê-las como
produtos massificados. Não podemos
selecionar ao acaso três jovens, perdidos em meio a uma cultura consumista e imediatista, para serem autênticas bruxas que serão queimadas em
dia festivo, para o delírio coletivo e
episódico de uma multidão que veja,
nesse instante rápido, a oportunidade
de escapar da mesmice de suas rotinas alienadas e cinzentas.
Justiça não é circo, mas é pão, já
que ela há de ser o alimento que deve
nutrir a existência política de um povo. Não podemos, a título de uma
magnífica e exaltada indignação, perverter as reais origens de nossas instituições, transpondo as linhas divisórias tão arduamente assentadas entre
a civilização e a barbárie. Isso é o que
de melhor nos ensinaram os antigos e
a sabedoria de tantos que, até com dificuldades mais estupendas do que
aquelas por que passamos, nos antecederam. O parricídio, afinal, não é
apenas um crime, mas toda uma lógica. A pretexto de censurá-la, não nos
deixemos tomar por ela.
ALBERTO SILVA FRANCO , 74, é presidente de honra do
IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São
Paulo. É autor do livro "Teoria e Prática do Júri", entre outras obras.
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