São Paulo, terça-feira, 03 de julho de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Só no Brasil

ALOIZIO MERCADANTE


Pesquisas brasileiras sobre qualidade de ensino e o uso de computador nas escolas contrariam o senso comum e a experiência internacional


H Á MUITO se fala da necessidade de construir sociedades modernas com base na inclusão digital. Argumenta-se, com razão, que as condições impostas pela globalização demandam que os países se esforcem para incorporar as TICs (tecnologias de informação e comunicação) no trabalho e no ensino, de maneira que se tornem mais eficientes e justos. Essa preocupação com a inclusão digital me levou a apresentar um projeto segundo o qual o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) financiaria internet de banda larga para todas as escolas públicas brasileiras. Pretendemos com isso conectar os mais de 2.500 municípios que não têm internet e prover o acesso a essa tecnologia-chave para 170 mil escolas, 2,5 milhões de professores e mais de 42 milhões de alunos espalhados por todo o Brasil.
Trata-se de projeto que, se implantado, colocará os nossos estudantes no século 21, modernizará os serviços públicos e dinamizará as economias dos municípios mais pobres. Porém, foram divulgadas há pouco tempo pesquisas brasileiras sobre qualidade de ensino e sua relação com o uso de computador nas escolas.
Contrariando o senso comum, a qualidade do ensino, conforme essas avaliações, não tem correlação com o uso do computador e o acesso à internet. Todavia, além de contrariar o senso comum, as pesquisas contradizem vasta experiência internacional. Relatório de comissão européia de 2006 sobre o impacto da introdução de TICs nas escolas da Europa, intitulado "The ICT Impact Report", mostra que as pesquisas brasileiras refletem realidade distinta da observada no continente europeu. Esse relatório, elaborado com base em 17 estudos conduzidos ao longo de anos em vários países, chega à conclusão de que as TICs produzem impactos positivos no ensino.
Tais estudos apresentaram os seguintes resultados: o uso das TICs melhora o desempenho dos alunos das escolas primárias no aprendizado do inglês e de ciências; o acesso às TICs aumenta a performance dos alunos entre sete e 16 anos nos testes nacionais do Reino Unido de inglês, ciências e design; as escolas com maior nível de acesso às TICs apresentam grau mais elevado de aumento do desempenho de seus alunos; a introdução da banda larga nas escolas aumenta substancialmente a performance dos alunos nos testes nacionais do Reino Unido; e, nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), há uma associação positiva entre o tempo de uso das TICs nas escolas e as notas dos alunos nos testes de matemática do Pisa (programa internacional para avaliação do estudante).
Essas diferenças entre as pesquisas brasileiras e as européias provavelmente se relacionam à maneira distinta como a internet e o computador são incorporados à escola. Aqui no Brasil, parece que o computador é uma espécie de totem tecnológico que é jogado em laboratórios para que os alunos o acesse em seus horários extra-aula. Na Europa, ao contrário, as TICs são instrumentos centrais do ensino em sala de aula, com conteúdos especificamente concebidos para tal fim.
Claro está que a mera introdução das TICs não é panacéia. Ela tem de ser acompanhada por uma política educacional consistente, que valorize professores, modernize currículos e transforme a escola em agente de produção e difusão de conhecimento de qualidade.
Nesse contexto, as TICs podem ser instrumentos pedagógicos valiosos. A simples presença do computador na escola pode não melhorar a nota do aluno, mas o computador devidamente incorporado ao processo educativo melhora, sim. Os resultados eloqüentes obtidos na Europa talvez expliquem por que lá se leva a sério a inclusão digital.
A União Européia estabeleceu como objetivo estratégico para este milênio "tornar-se a economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento econômico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão social".
Para atingir esse objetivo, o conselho da UE determinou que uma das diretrizes prioritárias é a de integrar as TICs na educação e no treinamento. Por isso, o Reino Unido vem gastando 500 milhões ao ano com a introdução de TICs em escolas, e Portugal conseguiu a proeza de colocar internet de banda larga em todos os seus colégios.
Entretanto, nestas paragens tropicais, os alunos ficam cada vez mais atrás nos testes internacionais de avaliação, e o país perde competitividade no cenário mundial. Abandonados por uma educação arcaica e de baixa qualidade, os estudantes brasileiros de escolas públicas estão desamparados num mundo crescentemente competitivo. Sós no Brasil. Só no Brasil.

ALOIZIO MERCADANTE, 53, economista e professor licenciado da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é senador da República pelo PT-SP.

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