|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Perigo à mesa
Exigência de informações na propaganda de alimentos deve esbarrar em problemas legais; brasileiro precisa de
mais educação nutricional
Não há dúvida de que maus hábitos alimentares estão associados a uma série de doenças como
obesidade, hipertensão arterial e
dislipidemias, que se traduzem
em milhares de mortes precoces a
cada ano e gastos da ordem de bilhões de reais. Diante disso, a educação nutricional precisa figurar
no topo das prioridades das autoridades sanitárias do país.
Mais polêmica é a iniciativa da
Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) de estipular um
prazo de seis meses para que as
peças publicitárias de alimentos
com altos teores de açúcar, sódio e
gorduras trans e saturada tragam
alertas sobre problemas de saúde
que o consumo dessas substâncias pode causar.
Em princípio, ninguém deveria
ser contra a inclusão de informações verdadeiras e relevantes sobre a natureza dos produtos anunciados. Mas a indústria e o mercado publicitário devem contestar
judicialmente a medida.
E eles têm um bom caso. A
Constituição (art. 220) prevê restrições legais apenas à propaganda
de tabaco, bebidas alcoólicas,
agrotóxicos, medicamentos e terapias. Indica, mais genericamente, que cabe à lei federal criar mecanismos para defender consumidores da propaganda de produtos
nocivos à saúde. Sim, o sal pode
fazer mal ao organismo se ingerido em excesso, mas também é um
nutriente necessário à vida. Difícil, portanto, qualificá-lo como
"produto nocivo à saúde".
O mesmo vale para açúcares e
gorduras. De toda maneira, ainda
que se interprete de forma laxa a
Constituição, teria de haver uma
lei federal autorizando as novas
regras -e ela não existe.
A Anvisa, é claro, apresenta
uma justificativa. Ela no entanto
envolve raciocínios tortuosos e
princípios genéricos -como o dever de "veracidade" dos anunciantes. A aplicação a ferro e fogo
desse tipo de norma levaria à extinção da publicidade.
Vale observar que existe uma
sabedoria por trás do mandamento constitucional. Ela tem menos a
ver com o problema sanitário e
mais com a questão dos freios e
contrapesos. É sempre uma má
ideia concentrar muito poder numa única caneta, mesmo quando
seu portador está imbuído das melhores intenções.
Faria mais sentido se as autoridades sanitárias apostassem na
educação nutricional e criassem
programas para levá-la às escolas.
Exigir uma rotulagem completa e
informativa dos produtos é outro
passo importante -e que está
dentro das atribuições da Anvisa.
Quanto à questão específica das
doenças relacionadas à alimentação, é preciso uma certa humildade. Trata-se de um problema contra o qual pouco podemos fazer.
Devido às adversidades enfrentadas pela humanidade na maior
parte de sua história, o organismo
humano desenvolveu uma espécie de "tara" por alimentos muito
calóricos. E também eficiência na
hora de armazenar energia na forma de tecido adiposo.
As condições de vida mudaram,
mas o organismo não. Ele segue
programado para poupar o máximo, porém num contexto de farta
oferta de calorias e ritmo de vida
mais sedentário. O resultado é a
epidemia de obesidade.
Quase sempre é difícil para os
circuitos da razão reescrever centenas de milhares de anos de programação biológica.
Próximo Texto: Editoriais: Lições da Copa
Índice
|