São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2000


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Tarifaço a conta-gotas


De norte a sul as tarifas aumentam todos os dias; os salários não são reajustados e as vendas do comércio caem


ABRAM SZAJMAN

Em janeiro , o Banco Central divulgou previsão segundo a qual o reajuste médio de tarifas deste ano seria de 9,2%. Já era muito, se ficasse nisso. Mas em março o BC refez as contas e admitiu uma alta anual de tarifas da ordem de 11,2%. Depois, no início de julho, o mesmo BC apresenta outro índice, de 12,2%, que simplesmente equivale ao dobro da inflação prevista pelo sistema de metas acertado com o FMI, de 6%.
Apesar das evidências em contrário, o Banco Central afirma que o impacto dos reajustes das tarifas sobre a trajetória do crescimento da economia será "nulo". "O impacto desses reajustes será mais micro que macroeconômico, e não muda em nada nossas projeções para o desempenho da economia", disse um diretor do BC, naturalmente pensando em termos "macro". Ele descarta até mesmo a possibilidade de o aumento das tarifas vir a atingir o nível de renda. "Isso não afetará a renda média dos brasileiros", garantiu.
No entanto, do lado "micro", ou seja, dos comuns mortais assalariados, funcionários ou pequenos empresários, das pessoas de carne e osso ainda não tragadas pela miséria, indigência ou marginalidade, a realidade é outra. A família do engenheiro José Roberto Pinheiro, 47 anos, despediu a empregada, vendeu um carro e reduziu o lazer. Para resistir aos aumentos das contas, o engenheiro, sua mulher e os dois filhos, de 21 e 17 anos, deram adeus às roupas de grife e aos supérfluos do supermercado. Ainda assim, só as tarifas abocanham R$ 730 dos R$ 5.000 da renda familiar.
Outro exemplo, também tirado do cotidiano descrito no noticiário da imprensa: para adaptar seus custos à alta das tarifas e à queda nas vendas, o comerciante Joaquim Pereira, 55 anos, teve de demitir os três funcionários que tinha em sua loja de material de construção. "Agora trabalho só com meus dois filhos. O peso das tarifas e dos impostos é cada vez maior e, com as vendas fracas, se aumentar preços vou à falência", insiste o microempresário, contrariando com sua lógica cartesiana e sua aritmética básica as doutas explicações das autoridades monetárias.
Quais as diferenças da atual política governamental de tarifas em relação a modelos e a governos anteriores? A principal diferença é a seguinte: anteriormente, seguia-se a norma maquiavelesca segundo a qual o mal deve ser feito de uma vez só, porque assim será mais facilmente esquecido, enquanto o bem é servido ao povo em doses pequenas, porém contínuas, para ser lembrado. Essa lógica se inverteu desde o início do Plano Real, com o mal, no caso o reajuste de tarifas, sendo administrado a conta-gotas, estratégia que ganhou um ritmo mais acelerado com as privatizações. Vejamos alguns números:
- No início do Plano Real, os gastos com energia elétrica consumiam 1,71% da renda familiar. Agora, devoram 3,47% (o dobro), de acordo com a Fundação Getúlio Vargas.
- Segundo a FGV, o grupo de dez tarifas, como pedágio, telefone, gasolina e passagens de ônibus, já toma 15% do orçamento das famílias brasileiras.
- Essas mesmas tarifas representam 25% do orçamento de quem ganha até R$ 1.200,00.
- De 95 para cá, as tarifas de energia elétrica subiram 200% acima da inflação.
- No mesmo período, as tarifas de telefonia aumentaram 44%, isso contra uma inflação de 14%.
- Nos contratos com as empresas operadoras de telefonia, há uma cláusula que permite reajustes acima da inflação, mas até o limite de 9% além da inflação anual medida pela FGV.
- A gasolina sofre um aumento de 11,3% só em julho, apesar de o governo ter anunciado, um mês antes, que não haveria reajustes de combustíveis no "curto prazo". O gás de cozinha subiu 7,7% e o querosene de aviação disparou 34%.
- Os usineiros têm seus preços liberados. Já reajustaram, no início de julho, os preços do álcool anidro e hidratado de 15% a 20% em relação ao mês anterior.
- A modificação na forma de cobrança do PIS/Cofins para os combustíveis deverá provocar impacto de até 6% nas tarifas de transportes urbanos, segundo admitem as próprias autoridades da área econômica.
- As tarifas da Eletropaulo ficaram 13,83% mais caras desde o dia 4 de julho. Já para os clientes da Companhia Energética do Tocantins, o reajuste foi de 17,37%.
Em resumo, de norte a sul do país, as tarifas aumentam quase diariamente, desde o pedágio até a conta da luz, enquanto o salário dos trabalhadores não é reajustado e as vendas do comércio caem, trazendo mais desemprego. Mas os leitores deste artigo não devem se preocupar: tudo isso é "micro". No "macro", tudo vai bem.


Abram Szajman, 61, é empresário e presidente da Federação e Centro do Comércio do Estado de São Paulo e dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).



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