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CLÓVIS ROSSI
Passar por cima
SÃO PAULO - Confesso que foi de choque a primeira sensação ao ler a
frase de Eduardo Homem de Mello,
pai de vítima de seqüestro (e, nessa
condição, também vítima), ao relatar a orientação que deu aos filhos e,
suponho, demais parentes:
"A ordem agora é passar por cima".
Parece selvageria em estado puro, a
lei de talião ressuscitada, a rendição
à barbárie. Antes fosse.
Homem de Mello está apenas reagindo, dentro de suas possibilidades.
Ou seja, está fazendo o que a sociedade deixou de fazer muitos anos atrás,
o que acabou levando à anarquia
que é a marca registrada de São Paulo, Rio e outras cidades.
Para entendê-lo (nunca o vi na vida e, portanto, não estou defendendo
ou justificando um amigo), basta
uma pequena cronologia: tempos
atrás, 20 anos talvez, quando a onda
de violência começou a se intensificar, a orientação da polícia era não
reagir a nenhum assalto, roubo ou
fosse qual fosse a violência.
Podia ser um conselho até sensato,
se viesse acompanhado do seguinte:
não reaja enquanto a gente vai cuidar de atacar a violência, aperfeiçoando o aparelho policial e judicial
(para não falar nas causas sociais,
naturalmente mais demoradas para
serem enfrentadas).
Mas não foi o que aconteceu. Ficou
só a ordem de rendição. Só podia dar
no que deu: a violência tomou conta
de tal forma que ninguém mais pode
ou consegue reagir.
Seqüestros no volume em que se registram em São Paulo é coisa do que
os norte-americanos passaram a chamar de "failed State", ou país fracassado, em tradução livre. É coisa de
Afeganistão, o Iraque atual, alguns
países africanos, em que o Estado foi
ou substituído ou atropelado pela criminalidade organizada ou desorganizada, tanto faz.
Depois, ainda vem o governo federal com essa campanha boboca de "o
brasileiro nunca desiste". Talvez o
brasileiro não desista, mas o Brasil,
como Estado organizado, desistiu faz
tempo da civilização.
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