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PLÍNIO FRAGA
Uma elite é uma elite
RIO DE JANEIRO - Já passou por
Rio e São Paulo, e neste final de semana volta a Belo Horizonte, a
montagem do Grupo Galpão para
"Um Homem é um Homem", de
Bertolt Brecht (1898-1956). O texto
tem 80 anos e é tido como o primeiro exemplo de teatro pedagógico do
dramaturgo alemão.
Conta a transformação de um estivador sem vícios -que não sabe
dizer não- em um aproveitador.
Envolve-se em mentiras, roubo e
confusão e termina por negar ser
quem é diante da própria mulher e
assistir ao enterro de si mesmo.
Na explicação de Brecht, o personagem se fortifica ao incorporar-se
à massa, abrindo mão da individualidade. Seu senso crítico é liquidado, e sua noção de solidariedade, totalmente desmanchada.
"De manhã saiu para comprar
um peixe; à tarde tinha comprado
um pepino e no dia seguinte foi condenado à morte. Ele não sabia dizer
"não", mas era um homem bom", autodefine-se o personagem.
A peça veio à mente ao ler o relato
de Cristina Tardáguila, publicado
hoje nesta Folha, sobre os aplausos
de parte da elite carioca à idéia de
que "vai morrer gente, mas não se
pode ter medo da reação" no enfrentamento da crise de segurança.
O autor da frase é o presidenciável
tucano Geraldo Alckmin, até há
pouco o comandante da tropa policial de São Paulo que matou 84% a
mais neste semestre em relação ao
mesmo período do ano passado.
Não vale dizer que o responsável
é Cláudio Lembo, que assumiu o
mandato em abril. O pefelista, que
culpou a "elite branca" pela violência porque "não abre a bolsa", pode
ser um criador de boutades, mas
não conseguiria erguer essa máquina de matar em alguns meses.
O aplauso a barbárie pela elite
branca pode levá-la ao destino do
personagem de Brecht. Queria um
peixe, obteve um pepino e terminou assistindo ao próprio enterro.
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