São Paulo, quinta-feira, 03 de agosto de 2006

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PLÍNIO FRAGA

Uma elite é uma elite

RIO DE JANEIRO - Já passou por Rio e São Paulo, e neste final de semana volta a Belo Horizonte, a montagem do Grupo Galpão para "Um Homem é um Homem", de Bertolt Brecht (1898-1956). O texto tem 80 anos e é tido como o primeiro exemplo de teatro pedagógico do dramaturgo alemão.
Conta a transformação de um estivador sem vícios -que não sabe dizer não- em um aproveitador. Envolve-se em mentiras, roubo e confusão e termina por negar ser quem é diante da própria mulher e assistir ao enterro de si mesmo.
Na explicação de Brecht, o personagem se fortifica ao incorporar-se à massa, abrindo mão da individualidade. Seu senso crítico é liquidado, e sua noção de solidariedade, totalmente desmanchada.
"De manhã saiu para comprar um peixe; à tarde tinha comprado um pepino e no dia seguinte foi condenado à morte. Ele não sabia dizer "não", mas era um homem bom", autodefine-se o personagem.
A peça veio à mente ao ler o relato de Cristina Tardáguila, publicado hoje nesta Folha, sobre os aplausos de parte da elite carioca à idéia de que "vai morrer gente, mas não se pode ter medo da reação" no enfrentamento da crise de segurança. O autor da frase é o presidenciável tucano Geraldo Alckmin, até há pouco o comandante da tropa policial de São Paulo que matou 84% a mais neste semestre em relação ao mesmo período do ano passado.
Não vale dizer que o responsável é Cláudio Lembo, que assumiu o mandato em abril. O pefelista, que culpou a "elite branca" pela violência porque "não abre a bolsa", pode ser um criador de boutades, mas não conseguiria erguer essa máquina de matar em alguns meses.
O aplauso a barbárie pela elite branca pode levá-la ao destino do personagem de Brecht. Queria um peixe, obteve um pepino e terminou assistindo ao próprio enterro.


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