São Paulo, quarta, 3 de setembro de 1997.



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Apreensão infundada

ANTONIO DELFIM NETTO

Causou uma certa apreensão nos meios políticos e econômicos o anúncio de que o déficit em conta corrente do Brasil atingiu, nos sete primeiros meses do ano, 4,35% do PIB.
O número em si mesmo é irrelevante, porque nenhum país entra em dificuldades apenas porque seu déficit passou de 4%. Todos lembram que o objetivo (sadio, diga-se de passagem) da política econômica posta em prática com o Plano Real era de um déficit de 2%. Sadio porque, por hipótese, isso representaria um acréscimo de poupança externa para financiar um aumento dos investimentos, o que não aconteceu.
À medida que a sobrevalorização cambial foi revelando a sua face, os econocratas passaram a falar em déficit "ótimo" de 3% e que o sinal vermelho se acenderia se ele atingisse 4%. Passamos os 4% e, se não reduzirmos ainda mais o ritmo de crescimento e/ou ampliarmos as exportações e/ou aumentarmos as restrições à importação, ele passará dos 5% brevemente.
Que esse número é em si mesmo de pouca relevância é demonstrado pelo fato de que o déficit é estimado em dólares correntes e que o PIB em real é corrigido pela taxa de câmbio sobrevalorizada, o que claramente subestima a relação déficit/PIB. Com uma sobrevalorização que ninguém mais nega, o déficit já deve ser maior do que 5%! É preciso muita fé (na ignorância dos outros, não na teoria econômica) para imaginar que um truque aritmético barato como esse engana o mercado.
Os economistas não sabem com precisão o que estimula um ataque a uma moeda supostamente sobrevalorizada. Os modelos construídos a partir de cada nova experiência resistem apenas até a ocorrência de um novo caso quando ele se mostra incapaz de "explicá-lo". É assim que avança o conhecimento científico. Uma coisa parece certa: o ataque é consequência de uma série de condições cumulativas, a mais importante das quais é a percepção do mercado de que o país não tem disposição política (às vésperas de uma eleição) ou incorrerá em custos econômicos formidáveis (pela fragilidade do seu sistema bancário), com o aumento substancial da taxa de juro necessário para defender a moeda.
Não parece ser essa a nossa condição. No caso brasileiro, a grande transferência de propriedade para estrangeiros, as privatizações, os grandes déficits em conta corrente vão financiando um passivo externo que precisará ser servido no futuro. Se essa entrada de recursos externos que garante o financiamento do déficit, no presente, não for utilizada em expansão produtiva de um setor exportador extremamente competitivo, ela representará, no futuro, quando não houver mais nada para vender, uma ampliação persistente do déficit em conta corrente. Sem vigorosa expansão das exportações, o tempo que estamos comprando hoje não nos será vendido no futuro.
Para expandir as exportações só há um caminho: transformar o setor no mais rentável da economia e dar garantia aos investidores de que essa condição continuará no futuro. Mas quem confiará no setor exportador de um país que congelou o seu câmbio três vezes em uma década?


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.





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