|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Apreensão infundada
ANTONIO DELFIM NETTO
Causou uma certa apreensão nos
meios políticos e econômicos o anúncio de que o déficit em conta corrente
do Brasil atingiu, nos sete primeiros
meses do ano, 4,35% do PIB.
O número em si mesmo é irrelevante, porque nenhum país entra em dificuldades apenas porque seu déficit
passou de 4%. Todos lembram que o
objetivo (sadio, diga-se de passagem)
da política econômica posta em prática com o Plano Real era de um déficit
de 2%. Sadio porque, por hipótese, isso representaria um acréscimo de
poupança externa para financiar um
aumento dos investimentos, o que
não aconteceu.
À medida que a sobrevalorização
cambial foi revelando a sua face, os
econocratas passaram a falar em déficit "ótimo" de 3% e que o sinal vermelho se acenderia se ele atingisse 4%.
Passamos os 4% e, se não reduzirmos
ainda mais o ritmo de crescimento
e/ou ampliarmos as exportações e/ou
aumentarmos as restrições à importação, ele passará dos 5% brevemente.
Que esse número é em si mesmo de
pouca relevância é demonstrado pelo
fato de que o déficit é estimado em
dólares correntes e que o PIB em real
é corrigido pela taxa de câmbio sobrevalorizada, o que claramente subestima a relação déficit/PIB. Com uma sobrevalorização que ninguém mais nega, o déficit já deve ser maior do que
5%! É preciso muita fé (na ignorância
dos outros, não na teoria econômica)
para imaginar que um truque aritmético barato como esse engana o mercado.
Os economistas não sabem com precisão o que estimula um ataque a uma
moeda supostamente sobrevalorizada.
Os modelos construídos a partir de
cada nova experiência resistem apenas até a ocorrência de um novo caso
quando ele se mostra incapaz de "explicá-lo". É assim que avança o conhecimento científico. Uma coisa parece certa: o ataque é consequência de
uma série de condições cumulativas, a
mais importante das quais é a percepção do mercado de que o país não tem
disposição política (às vésperas de
uma eleição) ou incorrerá em custos
econômicos formidáveis (pela fragilidade do seu sistema bancário), com o
aumento substancial da taxa de juro
necessário para defender a moeda.
Não parece ser essa a nossa condição. No caso brasileiro, a grande
transferência de propriedade para estrangeiros, as privatizações, os grandes déficits em conta corrente vão financiando um passivo externo que
precisará ser servido no futuro. Se essa entrada de recursos externos que
garante o financiamento do déficit, no
presente, não for utilizada em expansão produtiva de um setor exportador
extremamente competitivo, ela representará, no futuro, quando não houver mais nada para vender, uma ampliação persistente do déficit em conta
corrente. Sem vigorosa expansão das
exportações, o tempo que estamos
comprando hoje não nos será vendido
no futuro.
Para expandir as exportações só há
um caminho: transformar o setor no
mais rentável da economia e dar garantia aos investidores de que essa
condição continuará no futuro. Mas
quem confiará no setor exportador de
um país que congelou o seu câmbio
três vezes em uma década?
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|