São Paulo, segunda-feira, 03 de setembro de 2001

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BORIS FAUSTO

Preso por ter cão...

O episódio do duplo sequestro da família Silvio Santos deixou em suspenso São Paulo e outras cidades brasileiras, tendo também repercussão internacional.
Por que isso aconteceu? Qualquer criança sabe a resposta: o comunicador Silvio Santos é uma figura pública importante em nossa vida social, embora cada um de nós tenha o direito de simpatizar ou não com ele. Pessoalmente, acho sua voz irritante, seu estilo brega e seus programas um produto de massa mal fermentado.
Porém essa é uma opinião minoritária, de alguém que faz parte de um setor intelectualizado da sociedade. Um setor, diga-se de passagem, que não pode ser simplesmente desqualificado, a partir de uma postura equivocada, identificando nível intelectual com elitismo.
Para a grande maioria da população brasileira, Silvio Santos é visto como um homem que veio de baixo e se converteu não só em um comunicador vitorioso, mas em uma figura, protetora, de pai e amigo. Um personagem assim cala fundo na alma de milhões de pessoas carentes; carentes não apenas no plano econômico, mas também no afetivo. Não foi, aliás, por acaso que o bandidinho iniciante, mas assassino, foi se abrigar na casa do comunicador, em um lance surpreendente que demanda explicações psicológicas.
Insisto nesse ponto porque ele é uma premissa fundamental para analisar o comportamento do governador Geraldo Alckmin, comparecendo à cena do sequestro. Como ninguém ignora, sua presença foi exigida pelo sequestrador, para garantir sua integridade física e a rendição, após várias horas de expectativa.
Tenho a impressão de que o gesto do governador paulista foi aprovado pela maioria da população. Mas, de um modo geral, ele sofreu a condenação da mídia. Um dos principais argumentos da condenação consiste em dizer que Alckmin só interferiu no caso pessoalmente porque envolvia uma figura importante. Se a exigência dissesse respeito a um cidadão anônimo, ele não teria tomado essa atitude.
O argumento pode ser politicamente correto, mas não se sustenta, tendo como premissa um falso igualitarismo que o povo, em seu realismo, não engole. Na verdade -nunca é demais insistir- Silvio Santos é um personagem nacionalmente conhecido. Personagens desse tipo, em qualquer país do mundo, recebem um cuidado especial por parte das autoridades, em especial quando sua segurança corre riscos.
A difícil decisão tomada por Alckmin não poderia deixar de levar em conta essa circunstância nem o significado que teria sua recusa em atender à exigência do sequestrador. Não é preciso muito esforço para imaginar o que teriam dito as mesmas pessoas que criticaram o governador se ele tivesse optado por outro caminho.
Choveriam críticas à omissão governamental, à sua covardia por não correr riscos, por preferir continuar em um encontro onde se discutiam -suprema ironia!- problemas da segurança pública. Choveriam ainda acusações de que ele tratara de se resguardar, enquanto na linha de frente dois policiais -as maiores vítimas de um grande show- tinham sido assassinados.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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