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CARLOS HEITOR CONY
Judas, o arrependido
RIO DE JANEIRO - Um filósofo pré-socrático explicou por que só existe
uma razão para a coragem e milhões
de motivos para o medo. A coragem é
direcionada para um alvo específico,
pula-se o abismo, enfrenta-se a fera
que nos assalta ou o inimigo que nos
ataca. Já o medo é omni, universal,
teme-se a tempestade, o raio, o naufrágio, a bala perdida, a doença, o
imposto sobre a renda.
A eleição de Lula provocou medo
em algumas pessoas. Temia-se que
ele botasse o Estado de Direito no fosso, inaugurasse um governo populista, na marra, invertendo direitos e
deveres do cidadão, promovesse, enfim, a revolução que sempre se espera
dos excluídos que chegam ao poder.
Nada disso, até agora, aconteceu.
Pelo contrário. Outro dia, um amigo
dos mais cautelosos expressava sua
admiração por Lula. Estava perplexo, mas exultante. Não votara nele,
temia que a inflação voltasse, que
houvesse desabastecimento nos gêneros de primeira necessidade, desordens várias e graves.
Todos os dias, procura nas folhas
um edital, uma palavra de ordem do
governo declarando que foi abolido o
direito de propriedade, a inviolabilidade dos lares, a liberdade de consciência. E, como nada encontra nesse
sentido, folga e rejubila-se, arrependido de não ter engrossado a grossa
torrente eleitoral que colocou o PT no
poder.
Peguei a palavra "arrependido" e
fiz considerações sobre os grandes arrependidos da história e da lenda.
Lembrei que Rabelais, após ter abandonado o sacerdócio, arrependeu-se
amargamente e entrou para um convento. Mas logo em seguida arrependeu-se de ter se arrependido e voltou
à sua vida de devasso.
E há o caso especial de Judas, o Iscariotes. Traiu seu mestre, beijou-o na
face, entregando-o aos esbirros da ordem vigente. Depois, arrependeu-se e
enforcou-se numa figueira. Não teve
tempo de arrepender-se do arrependimento.
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