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RUY CASTRO
Mãe com chinelo
RIO DE JANEIRO - Em 1969, com
AI-5 e tudo, ainda nos sentíamos
adultos no Brasil. Algumas especialidades da ditadura naquele ano
-direitos individuais suspensos,
censura aos jornais, prisões, tortura- davam a entender que ela temia seus opositores. Até que, em janeiro de 1970, um decreto do ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, nos
rebaixou à menoridade.
Foi o decreto que, em nome da
"família", proibiu a circulação de
revistas estrangeiras (como "Playboy"), regulou a cobertura dos bailes de Carnaval (nada de seios ou
bundas em quatro cores na "Manchete") e decretou a censura prévia
a gibis de terror, fotonovelas e revistas com material "picante"
-nem "Garotas e Piadas" escapou.
Obrigou também a que algumas
revistas fossem vendidas em plásticos lacrados e com uma cor chapada para esconder a capa -só o logotipo podia aparecer. Foi o que matou a pioneira masculina "Fairplay", que, apesar de ostentar a beleza de Odette Lara, Itala Nandi e
Betty Faria e ter o fino dos colaboradores, era ignorada pelos anunciantes e dependia das bancas.
Outras revistas surgiram ("Ele/Ela", "Status", "Playboy" -trabalhei em todas), mas a tutela prolongou-se por dez anos. As revistas só
podiam publicar um seio em cada
foto, nunca os dois. Pelos pubianos, já abundantes lá fora, nem
pensar. No cinema, os mamilos femininos eram cobertos com bolas
pretas (que dançavam na tela
quando as atrizes se mexiam).
Era humilhante: toda uma nação, de repente, de volta aos 13
anos. Não tínhamos idade para ver
nus, mesmo que numa exposição
de desenhos de Picasso, também
proibida.
Hoje, quando vejo Dilma se propondo ao cargo de nossa "mãe",
lembro-me dos generais que se arrogavam autoridade paterna sobre
o que podíamos ver, ler, escrever e,
em última análise, pensar. Mas o
tempo do chinelo já passou.
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