São Paulo, segunda-feira, 03 de outubro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Estado e mercado

JEFFERSON PERES


No Brasil, historicamente, uma relação promíscua entre Estado e mercado resultou na fragilização de ambos


Todas as sociedades humanas evoluídas, que já ultrapassaram o estágio tribal, caracterizam-se pela existência de duas instituições, o Estado e o mercado, cada uma com um papel a cumprir e ambas indispensáveis.
Não se trata de uma opinião, mas de um fato. Estado e mercado não são produtos artificiais, concebidos pelo empenho de alguns, em algumas épocas e em alguns lugares. Ambas surgiram como frutos naturais do processo histórico. Por isso mesmo, são fenômenos universais e atemporais.
Indispensáveis e insubstituíveis, são instâncias autônomas, mas interdependentes, que não se confundem, mas não se excluem: completam-se. Ao mercado cabe basicamente a geração de riquezas; ao Estado, a distribuição, na forma de bens e serviços públicos essenciais.
Essa é a realidade histórica, contestada apenas pelos formuladores de utopias, consubstanciadas no marxismo e no anarquismo. Coube a Marx pregar, com maior clareza, a extinção de ambos, a ser alcançada em duas etapas. Na primeira, que chamou de socialismo, seria suprimido o mercado, substituído pelo Estado hipertrofiado. Na segunda, que chamou de comunismo, desapareceria o próprio Estado, tornado supérfluo pelo advento da sociedade da abundância, um tipo de paraíso terrestre.
Seus seguidores bem que tentaram implantar a primeira etapa, numa experiência que soçobrou num naufrágio monumental. Ainda assim, em todo o mundo, muitos, principalmente intelectuais, continuam convencidos da sua viabilidade, numa certeza dogmática que deixou de ser idéia para se tornar crença. Como tal, imune aos argumentos e alheia aos fatos.
No mundo real, coexistem as duas instâncias a desempenhar suas funções bem ou mal, dependendo a situação de cada país da qualidade desse desempenho. Deram certo e se desenvolveram os países nos quais o Estado e o mercado, graças a um conjunto de circunstâncias históricas, conseguiram funcionar com eficiência e eficácia. Antes que me cobrem definições, entendo que deram certo e se desenvolveram os países que conjugam liberdade política com estabilidade econômica e eqüidade social.
Inversamente, permaneceram subdesenvolvidas, em maior ou menor grau, as sociedades nas quais, por diferentes motivos, o Estado ou o mercado, ou ambos, padecem de graves disfunções.
No caso do Brasil, historicamente, uma relação promíscua entre Estado e mercado resultou na fragilização de ambos. O Estado se transformou no Ogro Filantrópico de que falava Octavio Paz, corrupto e ineficiente, privatizado por uma classe política patrimonialista, em aliança com segmentos cartoriais da classe empresarial.
Quanto ao mercado, nunca passou de um arremedo, atrofiado e limitado por distorções várias, tais como cartelização, excesso de protecionismo, insegurança jurídica, voracidade fiscal, privilégios para uns e perseguições para outros. Tudo a conspirar contra um ambiente concorrencial que favorecesse a vitória dos mais aptos. Virou uma selva, com o triunfo dos mais fortes e mais protegidos, e não uma competição esportiva, sujeita a regras, sob a arbitragem de um Estado neutro, a garantir o êxito dos melhores.
Entre nós, a esquerda, prisioneira dos seus dogmas, persiste no erro de pensar que a solução dos nossos problemas virá com a estabilização da economia, sem entender que a chave de tudo reside na desprivatização do Estado.
Dos três grandes objetivos integrantes de um projeto de desenvolvimento -liberdade, estabilidade e eqüidade-, a duras penas já alcançamos a liberdade política, plenamente, e a estabilidade econômica, precariamente.
Resta ainda, como ideal distante, a eqüidade social, que exige como precondição para ser alcançada a coexistência de um bom mercado, com regras claras para se tornar um eficiente gerador de riqueza; e de um bom Estado, a funcionar, ao mesmo tempo, como juiz da partida e eficiente distribuidor de renda, na forma de bens e serviços públicos universais e de qualidade.
Chegaremos lá quando, finalmente, a nossa elite política, empresarial e acadêmica compreender isso e, principalmente, lutar por isso. Será, talvez, o famoso projeto de nação que nunca tivemos e que nos está faltando.
Jefferson Carpinteiro Peres, 73, advogado, é senador pelo PDT-AM.

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